Avaliação risco-benefício de alimentos

Ou como utilizar a ciência para saber se o consumo de uma determinada quantidade de alimentos nos faz bem ou mal? A avaliação risco-benefício, que aqui se descreve brevemente, é uma metodologia à qual os nutricionistas terão de recorrer cada vez mais e conhecer melhor no futuro.

Para além do papel essencial que os alimentos desempenham na manutenção da vida humana, é reconhecido que a sua ingestão adequada e dos seus constituintes pode conferir proteção contra determinadas doenças ou, pelo contrário, pode associar-se a efeitos adversos na saúde humana. Esta situação é particularmente relevante quando os potenciais efeitos positivos e negativos podem ocorrer concomitantemente no mesmo alimento ou constituinte. Um exemplo que ilustra esta situção é o caso do peixe gordo, cujo consumo é, por um lado, associado a benefício na saúde cardiovascular pela ingestão adequada de ácidos gordos essenciais n-3 e, por outro, a risco no desenvolvimento cognitivo em crianças, devido à contaminação do peixe com metilmercúrio (MeHg).

Tradicionalmente, as avaliações de riscos e de benefícios associadas aos alimentos e/ou nutrientes eram efetuadas em processos independentes, não relacionados, dificultando a interpretação integrada dos resultados tanto por parte dos decisores políticos, que contribuem para o estabelecimento de recomendações para a população, como pelos consumidores na definição das suas escolhas alimentares. Uma alternativa relativamente recente, é a avaliação risco-benefício de alimentos.

Como se define a avaliação risco-benefício?

A avaliação risco-benefício é uma metodologia integrada e multidisciplinar que visa estimar o impacto na saúde da ingestão de alimentos, contabilizando simultaneamente os riscos e benefícios associados ao consumo de determinado alimento e seus componentes. Esta metodologia integra conceitos de várias disciplinas, entre as quais a toxicologia (i.e. riscos associados a contaminantes químicos, aditivos, etc.), a microbiologia (i.e. riscos associados a agentes biológicos patogénicos) e a nutrição (i.e. benefícios associados a macro e micronutrientes e outros compostos com interesse nutricional) e, através do uso de métricas quantitativas ou qualitativas comparáveis, permite obter um balanço integrado de todos os riscos e benefícios.

Para além do exemplo clássico do peixe, outros casos de estudo têm sido avaliados com recurso a esta metodologia. Como exemplo, num estudo publicado em 2017 de Eneroth et al. foi avaliado o impacto de aumentar o consumo de frutos gordos na saúde da população sueca, de uma média de 5 g/dia para 30 g/dia, considerando simultaneamente o risco de desenvolver cancro hepático, associado à exposição aumentada a Aflatoxina B1, e o benefício ao nível da prevenção da doença cardiovascular (DCV), associado ao aumento da ingestão de ácidos gordos n-3. Foi estimado o impacto na saúde através do cálculo da carga de doença, expressa como anos de vida ajustados à incapacidade (DALY: Disability-Adjusted Life Years), que combina a estimativa dos anos de vida perdidos por morte prematura e dos anos de vida vividos com doença e/ou incapacidade. Os resultados obtidos neste estudo indicam que o aumento do consumo de frutos gordos para 30 g/dia previniria mais de 7000 casos de DCV apesar de potencialmente induzir até 3 casos adicionais de cancro hepático, no ano 2013, na população sueca. Considerando o balanço dos riscos e dos benefícios, a avaliação realizada permitiu determinar o impacto na saúde do aumento de consumo de frutos gordos, sendo estimado que este aumento permitiria um ganho de cerca de 77000 anos de vida saudável na população sueca.

Quais as principais dificuldades desta metodologia?

Existem alguns desafios que podem dificultar e/ou comprometer este tipo de avaliação,  nomeadamente a escassez/qualidade dos dados disponíveis, a variabilidade interindividual no que diz respeito à suscetibilidade aos riscos e benefícios associados ao consumo alimentar, a incerteza acerca da plausibilidade e força da evidência das associações epidemiológicas entre os alimentos/componentes e os efeitos na saúde, entre outros desafios, devendo ser avaliado criteriosamente cada caso de estudo e determinada a viabilidade de cada avaliação. Não obstante, a avaliação de risco-benefício deve ser vista como uma abordagem holística que permite estimar impacto do consumo alimentar na saúde humana, integrando, no seu resultado, os diversos riscos e benefícios associados. O uso da avaliação de risco-benefício de alimentos pode ser útil como ferramenta de apoio à decisão das entidades públicas competentes na definição de recomendações alimentares e nutricionais, bem como por nutricionistas na sua prática profissional.

Como aprender esta metodologia?

Em 2010, a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA) publicou algumas diretrizes para a realização de avaliações risco-benefício de alimentos. Nestas orientações, é proposta uma abordagem progressiva, por passos, e são discutidas alguns aspetos particulares e potenciais limitações potenciais deste tipo de análise. Neste documento incluem-se ainda dois exemplos distintos para ilustrar a aplicação da abordagem proposta para a realização de avaliações risco-benefício de alimentos.
Em Portugal, decorre atualmente um projeto de capacitação de avaliação risco-benefício (RiskBenefit4EU) que reúne uma equipa multidisciplinar de vários países europeus (Portugal, França e Dinamarca) e que visa estabelecer uma framework e dotar os investigadores e outros profissionais portugueses das competências necessárias à realização de avaliações risco-benefício de alimentos, através de um caso de estudo relacionado com o consumo de produtos à base de cereais por crianças até aos 3 anos.

Escrito por

Ana Catarina Carvalho 1
Ana Catarina Carvalho
Nutricionista, Investigadora na FCNAUP e no ISPUP
Duarte Torres 3
Duarte Torres
Nutricionista, Professor Auxiliar na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação, Universidade do Porto

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