Regulação do marketing alimentar destinado a crianças em Portugal

Descrição sumária do processo e das metodologias utilizadas

Descrição sumária do processo e das metodologias utilizadas

O excesso de peso e a obesidade infantil continuam a afetar 1 em cada 3 crianças portuguesas com idades entre os 5 e os 9 anos. O peso a mais na infância não só está associado ao excesso de peso e à obesidade na idade adulta, como também representa um risco acrescido para outras doenças crónicas, como as doenças cardiovasculares, diabetes e doenças oncológicas.

Os hábitos alimentares inadequados, que se caracterizam por um consumo de calorias acima das nossas necessidades, por uma elevada ingestão de açúcar, gordura e sal, estão na origem deste problema de saúde e são fortemente condicionados por um ambiente obesogénico descrito pela primeira vez por Boyd Swinburn em 1999. A publicidade alimentar é parte integrante deste ambiente promotor da obesidade.

As crianças e os estímulos de consumo

Sabemos hoje que as crianças são particularmente permeáveis ao estímulo ao consumo de determinados alimentos induzido pela publicidade alimentar, em particular aquelas que já têm peso a mais, como bem demonstrou Halford e seus colaboradores. De acordo com este estudo, a exposição à publicidade de alimentos está associada a um aumento da ingestão energética, sendo este aumento significativamente superior no grupo das crianças obesas.

A evidência científica diz-nos que os alimentos hipercalóricos e com elevadas quantidades de açúcar e gordura são aqueles que mais investem em publicidade, nomeadamente os refrigerantes e outras bebidas açucaradas, chocolates e produtos de confeitaria, refeições prontas a consumir, cereais de pequeno-almoço, bolos, produtos de pastelaria e bolachas. E por último, sabemos também que o contacto em idades precoces com o sabor doce e salgado determina as preferências alimentares futuras por alimentos com estas características.

São apenas alguns argumentos que não deixam dúvidas quanto à necessidade de regular o marketing e a publicidade alimentar dirigida a crianças.

Em janeiro de 2012, o primeiro Programa Nacional para Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS) da DGS já ambicionava que fossem definidas regras específicas para a publicidade alimentar dirigida aos grupos mais jovens da população, considerando nos seus objetivos “a necessidade de regulamentar a publicidade de produtos alimentares dirigidos a crianças”.

Em 2016 aumentou a cooperação portuguesa com a OMS neste domínio, passando a liderar a WHO European Action Network for Reducing Marketing Pressure to Children. E no final de 2017, a necessidade de implementar medidas nesta área é reforçada na Estratégia Integrada para a Promoção da Alimentação Saudável.

Projeto de Lei 195/XII

A Assembleia da República iniciou a discussão deste tema, a 2 de março de 2012, através do Projeto de Lei 195/XII por iniciativa do Partido Socialista. A proposta de Lei foi submetida a votação no Parlamento e aprovada, com votos a favor do PS, do PCP, do BE e de Os Verdes e abstenções do PSD e do CDS-PP a 9 de março de 2012, baixando à Comissão da Especialidade de “Ética, Cidadania e Comunicação” onde ficou a “marinar” e sem avanços durante praticamente 3 anos, até 22 de outubro de 2015 quando caducou, ao terminar a legislatura!

Com uma nova legislatura e Parlamento renovado, a 6 de fevereiro de 2016, ocorre nova votação de uma nova proposta de Lei nesta área, sendo votados favoravelmente na Reunião Plenária n.º 35 os projetos de lei do PS/PAN/Os verdes sobre esta matéria. Com votos contra da deputada Isabel Alves Moreira (PS), com a abstenção do PSD, CDS-PP e votos a favor do PS, BE, PCP, PEV e PAN a proposta de Lei é enviada de novo para uma nova comissão de especialidade, desta vez a Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas.

Estamos em fevereiro de 2016…

Segue-se mais uma longa maratona de audiências e mais audiências. A votação final global só acontece a 15 de março de 2019! A 23 de abril de 2019 é finalmente publicada a Lei 30/2019 que “Introduz restrições à publicidade dirigida a menores de 16 anos de géneros alimentícios e bebidas que contenham elevado valor energético, teor de sal, açúcar, ácidos gordos saturados e ácidos gordos transformados.”

Contudo, a entrada da Lei em vigor só é possível após a definição, pela Direção-Geral da Saúde (DGS), do conjunto de produtos alimentares com excesso de calorias, açúcar, sal e gordura. Ou seja de um perfil nutricional que apresenta os valores limite de calorias, sal, açúcar, ácidos gordos saturados e ácidos gordos trans para as diferentes categorias de produtos alimentares, os quais não podem ser excedidos para que um determinado produto alimentar possa continuar a ser publicitado.

WHO – Regional Office for Europe Nutrient Profile Model

Este modelo de perfil nutricional teve por base o referencial da Organização Mundial da Saúde – WHO Regional Office for Europe Nutrient Profile Model – tendo sido ajustado ao contexto nacional. Foram também efetuadas alterações que refletem os compromissos assumidos em Portugal no âmbito da reformulação dos produtos alimentares, bem como uma análise da composição nutricional dos alimentos disponíveis no mercado português.

Outras adaptações refletem ainda o enquadramento do modelo de perfil nutricional da OMS aos limites impostos pela redação da Lei n.º 30/2019, de 23 de abril.

O modelo de perfil nutricional desenvolvido pela DGS encontra-se bem descrito no manual “Perfil nutricional – restrições à publicidade alimentar dirigida a crianças” . O trabalho é então diligente para uma área tão sensível (basta alterar uma virgula ou casa decimal para que tudo mude) e dia 21 de agosto é publicado o Despacho com a “lista de categorias de produtos” a restringir.

Uma lista que se baseia na evidência científica mais recente, e que foi produzida por docentes e estudantes da FCNAUP e que permitirá finalmente que a Lei entre em vigor.

 

 

Escrito por

Maria João Gregório 1
Maria João Gregório
Nutricionista, Professora Auxiliar Convidada na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto | Website
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Pedro Graça
Nutricionista, Professor Associado na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto | Website

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