Saúde Pública, Açúcar e Impostos

Subsistem ainda algumas dúvidas sobre as estratégias que podem ser tomadas para reduzir a exposição a substâncias nocivas à saúde quando consumidas em excesso como é o caso do açúcar.

Nomeadamente, as medidas de âmbito fiscal e outras opções que permitem alterar o ambiente alimentar onde as pessoas vivem e compram.

Portugal foi um dos países pioneiros na implementação e avaliação destas medidas, existindo atualmente informação suficiente para uma primeira reflexão sobre estes modelos de intervenção, coadjuvantes das políticas públicas na área alimentar.

Introdução

Comecemos pela evolução histórica do pensamento sobre as medidas para reduzir o consumo de açúcar e por algumas razões de saúde pública que justificam a redução do seu consumo na população portuguesa.

Desde a criação do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS) em 2012, que a taxação de certos alimentos, como o açúcar ou o sal foi colocada como hipótese de trabalho, pois este tipo de medidas tinha sido adotada em outros países como a Finlândia e a Hungria em 2011 e a França em 2012. Em 2014, a Ministra das Finanças, Maria Luísa Albuquerque, sugeriu esta possibilidade, que foi de imediato criticada pelo setor da indústria das bebidas.

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Por exemplo, o Presidente da Confederação Empresarial Portuguesa (CIP) criticou a possibilidade desta medida avançar, embora admitindo que o “consumo excessivo de certos produtos poderia ser nocivo para a saúde”, lembrando que “existiam programas de aconselhamento e outras medidas para evitar que as pessoas cometessem excessos” e que deveria ser esse o caminho a seguir.

Num outro registo, a Ordem dos Nutricionistas considerou na altura que só faria sentido taxar produtos nocivos para a saúde se a medida for acompanhada por subsídios a alimentos saudáveis e por campanhas de educação alimentar, justificando a posição com a falta de evidência científica de que “medidas isoladas como o aumento do preço de alimentos considerados nocivos para a saúde, por via de impostos, leve à redução da sua procura”.

Nesse mesmo ano, o então Ministro das Finanças, Pires de Lima deu por encerrado o assunto, opondo-se a qualquer avanço governamental nesta intenção. Em 2015, e já a poucos meses das eleições, o Ministério da Saúde através do secretário de Estado Adjunto da Saúde, Leal da Costa, demonstrou a intenção de aplicar taxas especiais a produtos alimentares com excesso de sal e de açúcar, nomeadamente a bebidas e alimentos sólidos embalados com quantidades de sal e de açúcar superiores a determinados níveis.

Na altura, um adepto desta medida foi o bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva que afirmou:

“O princípio é correcto. Sou contra as medidas proibicionistas, mas pôr quem consome mais este tipo de produtos a contribuir para as despesas em saúde é justo”.

Entretanto o governo caiu e em 26 de novembro de 2015, é formado um governo a partir do partido político que ficou em segundo lugar nas eleições – PS –, apoiado por uma maioria parlamentar, constituída pelo BE, PCP e PEV e é durante esta XIII Legislatura que vão ser aprovadas medidas fiscais sobre as bebidas açucaradas.

A importância da robustez técnica para apoia a decisão política

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Em 2016, o PNPAS lançou o livro “Redução do Consumo de Açúcar em Portugal: Evidência que Justifica Ação” reunindo vasta evidência que justificava a tomada de medidas de saúde pública para se atuar politicamente (ou seja, através de medidas de saúde pública de âmbito nacional suportadas pelo Governo ou por órgãos centrais de Governo).

Neste documento, os nutricionistas, que eram autores, apresentavam 53 argumentos, baseados em evidência científica que poderiam justificar uma tomada de decisão na implementação de uma estratégia para a redução do consumo de açúcar em Portugal.

Entre estes argumentos apresentava-se a possibilidade de taxação e a evidência científica relativamente robusta sobre a relação entre o consumo excessivo de açúcares livres e a saúde humana, nomeadamente as revisões da literatura que sistematizam os resultados encontrados pelos diversos estudos que avaliaram a relação entre o consumo de bebidas açucaradas e o excesso de peso/obesidade e outras doenças crónicas.

A grande maioria dos estudos observacionais incluídos nestes artigos de revisão sugeria que o consumo de bebidas açucaradas estava positivamente associado à adiposidade e à obesidade, à cárie dentária e eventualmente associadas ao risco de diabetes.

Isto apesar dos esforços das campanhas de educação alimentar das décadas de 90 e da criação e divulgação maciça de vários instrumentos de educação alimentar de muita qualidade como foi a Roda dos Alimentos e de outras atividades relacionadas levadas a cabo por nutricionistas portugueses.

Na altura, e ainda antes do Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física (IAN-AF), os dados que tínhamos provenientes das Balanças Alimentares do Instituto Nacional de Estatística, apontavam para o facto de em Portugal, a disponibilidade de refrigerantes em 2012 ser de 203,6 mL por habitante/dia e entre 1990 e 2012, a disponibilidade de refrigerantes ter duplicado, passando de 101,9 mL por habitante/dia em 1990 para 203,6 mL por habitante/dia em 2012.

No período analisado e em Portugal, “os refrigerantes à venda possuíam valores muito díspares de açúcares adicionados. De acordo com o trabalho e com “investigação própria, não exaustiva, no caso dos refrigerantes com extratos de cola, encontram-se no mercado bebidas com valores de açúcar entre zero grama até 11,1 g/100mL. No caso dos refrigerantes com extratos de chá, os valores podem atingir 8,1 g/100mL e nos outros refrigerantes encontram-se produtos à venda com valores de açúcares até 12,2 g/100mL.

Metade da recomendação internacional de consumir até ao limite máximo de 200 kcal por dia proveniente de açúcares livres pode ser ultrapassada com o consumo de apenas uma dose de 330 mL de alguns destes refrigerantes à venda”.

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Ainda no mesmo trabalho, apresentávamos dados sobre o consumo existente na altura com um retrato complexo da situação: “Dados existentes em Portugal, de um estudo de coorte (Geração 21) que acompanha 8647 crianças do norte de Portugal desde o seu nascimento (provavelmente a maior coorte nacional deste género), identificou que cerca de 35% das crianças com 2 anos consumia refrigerantes pelo menos uma vez por semana, comportamento este que se manteve em 88% destas crianças aos 4 anos. Com esta idade, mais de metade das crianças seguidas (52%) consome refrigerantes e néctares diariamente e 20% destas crianças consomem diariamente refrigerantes à base de chá, sendo este o tipo de refrigerante mais consumido”.

Nas diversas interações com os representantes do setor, era frequente ouvir-se o argumento de que não fazia sentido taxar ou aplicar medidas fiscais sobre determinados alimentos, nomeadamente sobre as bebidas açucaradas, na medida em que o consumo excessivo de açúcares livres na população viria certamente de outras fontes alimentares que não apenas o proveniente das bebidas (os dados do INE e das Balanças Alimentares não nos permitiam contrariar essa opinião) e que existiam já práticas de autorregulação implementadas, para além de que o mais importante era aumentar a educação alimentar das populações (na altura a palavra – literacia ainda não era moda) e permitir que os cidadãos capacitados fizessem escolhas informadas.

Foi nesse cenário de algum impasse que se elaborou o Manual do PNPAS enquanto decorria o Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física (IAN-AF) entre 2015-2016, o qual veio confirmar a necessidade de uma intervenção mais eficiente para combater o consumo excessivo de açúcar.

Estamos convencidos da importância destes documentos técnicos, produzidos por especialistas, para a tomada de decisões políticas consistentes.

A importância dos Inquéritos Alimentares Nacionais para a tomada de decisão

Os resultados do IAN-AF (que são um poderoso instrumento para orientar/confirmar as políticas públicas) foram conhecidos em 2017 e evidenciavam níveis de consumo de açúcares livres muito superiores às recomendações da OMS. A avaliação direta com a observação dos consumos regulares de grupos representativos da população, não só a nível etário e por género, mas também por região e condição socioeconómica foi essencial para a tomada de decisão.

Os resultados do IAN-AF demonstraram que 24,3% da população nacional apresentava um consumo de açúcares livres superior a 10% do valor energético total (valor máximo recomendado pela OMS), sendo esta prevalência superior nos adolescentes do sexo masculino (51,1%) e nas adolescentes do sexo feminino (49,1%).

O consumo diário de refrigerantes ou néctares (220 g/dia ou mais) era reportado por 18% dos inquiridos, sendo essa prevalência superior nos adolescentes (42%). Considerando apenas os que reportam algum consumo destas bebidas, 25% bebia aproximadamente o equivalente a dois refrigerantes por dia.

Estes resultados confirmavam um consumo elevado de açúcares livres proveniente das bebidas açucaradas, em particular em crianças e jovens, mas mais importante, confirmavam que ser este grupo de alimentos o principal fornecedor de açúcar livres comparativamente a outros grupos. Além disso, para além de água, açúcar e aditivos estas bebidas pouco mais adicionavam ao padrão nutricional dos seus consumidores.

Razões mais do que suficientes para uma intervenção mais robusta nesta área e até diferenciada face às que até então tinham vigorado.

Que medidas para alterar o consumo de bebidas açucaradas

A mudança do ambiente alimentar onde as pessoas vivem e compram é considerado um fator decisivo para a adoção de comportamentos saudáveis a par do aumento da capacitação dos indivíduos para fazer escolhas saudáveis.

Este tipo de taxas foi proposto inicialmente por Kelly Brownell, diretor do Yale Center for Eating and Weight Disorders em 1994, ao sugerir a criação de uma taxa sobre alimentos com excesso de gordura com a intenção de os tornar mais caros, evitando, assim, o seu consumo. Estas ideias foram alvo de controvérsia na sociedade americana e sem sucesso em termos de implementação.

A partir de 2003, a OMS começou a defender que o custo e o preço dos alimentos eram essenciais na regulação da obesidade e, em 2007, a tributação dos alimentos é sugerida por outros autores como forma de conseguir prevenir e controlar as doenças provocadas pelo excesso de açúcar, sal e gordura. Desde essa altura foram produzidos diversos documentos sobre este assunto.

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Em março de 2015, a OMS publicou o relatório “Using price policies to promote healthier diets” onde se fazia uma análise de algumas medidas fiscais já implementadas em diferentes países no contexto Europeu (Dinamarca, Finlândia, Hungria e França), sugerindo que os resultados destes estudos de caso eram consistentes com os modelos teóricos que mostravam que estas medidas tinham a capacidade de induzir alterações ao nível do comportamento de compra dos consumidores.

De acordo com a OMS, a utilização de medidas de tributação das bebidas açucaradas, combinadas com outras medidas que também incentivavam a reformulação gradual destes produtos, bem como medidas de sensibilização e educação alimentar da população deveriam ser estratégias a considerar.

A OMS sugeria também que, à semelhança do que se verificou no caso do México, a aplicação de um imposto que representasse um aumento de 10% no preço das bebidas açucaradas era capaz de reduzir o seu consumo em cerca de 10-12%, podendo ter um impacto significativo na redução da prevalência do excesso de peso e obesidade.

Estes e outros trabalhos foram essenciais para o delinear o modelo fiscal português, nomeadamente os estudos preparatórios das medidas a implementar no Reino Unido que só foram aplicadas em 2018.

Apesar de existir algum consenso sobre a oportunidade e efetividade destas medidas, foram vários os autores, logo em 2015, a sugerir a necessidade destas medidas serem acompanhada de estudos robustos de monitorização e de avaliação do seu impacto, capazes de avaliar o possível efeito regressivo destas medidas e de verificar se a diminuição da compra/consumo dos alimentos tributados não era substituída e compensada pela compra/consumo de outros alimentos igualmente pouco saudáveis, estudos esses que em parte foram realizado entre nós mais tarde.

Para além desta discussão, foi também necessário ter em conta a opinião dos representantes das bebidas açucaradas e da indústria alimentar que consideravam o modelo de autorregulação mais eficiente do que a taxação. Tanto na regulação da publicidade quanto na redução de açúcar presente nos alimentos a disponibilizar.

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Contudo, e apesar dos “modelos de autorregulação” já estarem em vigor há alguns anos entre nós, o consumo manteve-se elevado e aumentou a disponibilidade destas bebidas no mercado nacional. Diversos estudos apontavam também e na altura para a pouca eficácia das medidas de autorregulação em diversos países, nomeadamente em Espanha.

Outros trabalhos apontavam ainda para o facto destas medidas fiscais poderem acelerar a reformulação dos produtos alimentares por parte da indústria alimentar. Em particular, o estudo de avaliação da medida de tributação dos alimentos na Hungria mostrava que cerca de 40% das empresas da indústria alimentar a operar na Hungria reformularam os seus produtos após ou imediatamente antes das medidas fiscais entrarem em vigor naquele país.

Todos estes fatores foram importantes para preparar o desenho do modelo fiscal português que entrou em vigor a 1 de fevereiro de 2017.

O IABA*

* Imposto sobre as bebidas alcoólicas e bebidas não alcoólicas adicionadas de açúcar

A elaboração da proposta de tributação de bebidas açucaradas em Portugal teve por base as recomendações da OMS que advogava a

“utilização de impostos especiais sobre o consumo, configurados como impostos específicos, ou seja, baseados na quantidade ou num ingrediente ou nutriente específico de produto, por oposição a impostos sobre as vendas ou ad valorem, já que o imposto sobre o consumo específico aumenta o preço de todos os produtos na mesma medida, independentemente do preço de venda dos mesmos, obviando, assim, o efeito de substituição por produtos de preço mais baixo, mas que contêm o nutriente ou ingrediente nocivo e que sofreriam um aumento menos significativo do preço.”

“A escolha pela figura do imposto especial de consumo baseou-se no facto de este tipo de tributo ter essencialmente finalidades extrafiscais, designadamente de repressão e alteração de comportamentos de consumo e correção de exterioridades, mais do que de obtenção de receita fiscal. Não assenta, pois, na capacidade contributiva dos sujeitos passivos, mas sim num princípio de equivalência, que podemos encontrar vertido no art.º 2.º do atual Código dos Impostos Especiais de Consumo, que determina que os contribuintes devem ser onerados na medida dos custos que provocam nos domínios do ambiente e da Saúde Pública, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.”

De referir que as bebidas que continham adição de açúcar ou outros edulcorantes, ficaram sujeitas ao imposto, independentemente do seu valor calórico. Assim, as bebidas açucaradas com menor valor nutricional (refrigerantes usualmente comercializados sob a designação “light” e “zero”), ficaram sujeitas a tributação.

Na primeira abordagem fiscal o legislador optou pela introdução de dois escalões de tributação, consoante a quantidade de açúcar present

  1. Teor de açúcar inferior a 80 gramas por litro: € 8,22/hl;
  2. Teor de açúcar igual ou superior a 80 gramas por litro: € 16,69/hl (taxa atualizada pela Lei/OE 2018).

Todo este trabalho técnico foi realizado pelo Ministério das Finanças e pelo Ministério da Saúde em colaboração com o PNPAS e a DGS a tempo de integrar o orçamento de estado de 2017 e de entrar em vigor a 1 de fevereiro de 2017.

No Nutrimento escrevia-se nesse dia:

“Com esta medida legislativa, prevê-se que o consumo destas bebidas seja desencorajado, permitindo a redução do consumo de açúcar em Portugal, que atinge quase o dobro das recomendações máximas sugeridas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A receita será consignada ao Serviço Nacional de Saúde de forma a garantir a promoção de estilos de vida saudável. Importa salientar que medidas como estas devem ser acompanhadas por ações de sensibilização e educação, bem como regulamentação da publicidade alimentar e da informação nutricional presente nos rótulos, tal como menciona a OMS.”

A integração de outras medidas complementares foi considerada desde o início. Tal como aconteceu em outros países como a Estónia, Portugal adotou ou viria a adotar medidas complementares para reduzir o consumo de bebidas açucaradas e os seus efeitos negativos para a saúde, nomeadamente a regulamentação da publicidade aos alimentos, a sensibilização para os efeitos do consumo excessivo de açúcar na saúde através de campanhas de comunicação a nível nacional como a realizada em 2018, intervenções nas escolas regulando a oferta alimentar ou medidas de reformulação dos produtos alimentares à venda.

Entretanto, o Orçamento do Estado (OE) para o ano de 2018, aprovado pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, provocou algumas alterações no que respeita à incidência objetiva do imposto, previsto no artigo 87.º-A do CIEC, alterando a incidência e as taxas e, em 2019, o OE criou uma nova alteração com o escalão de bebidas com teor de açúcar até 80 gramas por litro de bebida a ser divido em três escalões.

Efeitos do Imposto

O IABA iniciado em 2017 teve diferentes impactos, mas os mais visíveis foram ao nível da:

  1. Alteração do preço final destes produtos ao consumidor;
  2. Alteração do volume de vendas;
  3. Reformulação do teor de açúcar destas bebidas.

Apesar de terem existido alterações no preço e nos volumes de vendas, as alterações mais significativas, do ponto de vista da saúde pública, ocorreram ao nível da reformulação da composição das bebidas com um decréscimo acelerado do teor de açúcares livres presentes nas bebidas.

De acordo com os dados da GlobalData e PROBEB, durante os anos de 2013 a 2016 a percentagem de bebidas com um teor de açúcar superior a 8 g manteve-se relativamente constante (variou entre 60,8% e 64,3%). Porém no ano de 2017, ano da implementação do imposto, verificou-se uma redução expressiva da percentagem de bebidas com teores de açúcar acima de 8 g, tendo-se situado nos 37,9%.

Durante o período de 2016 e 2017, em resultado quer da redução do volume de vendas destas bebidas e da transferência do consumo para bebidas com menor teor de açúcar, quer dos processos de reformulação levados a cabo pela indústria das bebidas com vista à redução do seu teor de açúcar, os dados da PROBEB (Associação Portuguesa das Bebidas Refrescantes Não Alcoólicas) sugerem que tenha havido uma redução de 15,2% do volume total de açúcar consumido através destas bebidas, representando um total de 5630 toneladas de açúcar.

Posteriormente e entre 2017-2023 os dados da Autoridade Tributária, mostraram uma diminuição de 36% da proporção de bebidas enquadradas no escalão mais elevado do imposto (teor de açúcar superior ou igual a 8 g/100 mL) para o período de 2017-2023.

Adicionalmente, os dados mais recentes, mostram resultados ainda mais expressivos para o aumento da percentagem de bebidas que se enquadram nos escalões mais baixos do imposto. Entre 2019 e 2023 verificou-se um aumento de 54% na proporção de bebidas abrangidas pelo escalão mais reduzido do imposto (teor de açúcar inferior a 2,5 g/100 mL), um aumento de 52% da proporção de bebidas abrangidas pelo escalão de teor de açúcar de 2,5 a 5 g /100 mL. Por oposição, verificou-se uma redução de 62% da proporção de bebidas abrangidas pelo escalão de teor de açúcar de 5 a 8 g /100 mL.

Assim, é possível verificar que o impacto do imposto na redução do teor de açúcar destas bebidas tem sido continuado ao longo do tempo, mantendo-se nos últimos anos em análise, incluindo no ano de 2023.

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Fonte: Autoridade Tributária, 2024.

Paralelamente e se analisarmos os resultados do acordo para a reformulação dos produtos alimentares, que, entretanto, se iniciou em Portugal em colaboração com vastos setores da indústria alimentar, é possível observar o que foi conseguido na redução do teor de açúcar e que contempla outras categorias de produtos alimentares que não apenas os refrigerantes.

Os dados mostram uma diferença significativa entre a redução do teor de açúcar nos refrigerantes e a redução do teor de açúcar nas outras categorias alimentares – uma redução de 16,1% no casos dos refrigerantes vs uma redução média de apenas 5,44% nas restantes categorias de produtos alimentares (néctares, cereais de pequeno-almoço, leite fermentado, leite com chocolate e iogurtes) -, o que sugere que, para as categorias de produtos alimentares não abrangidas pelo imposto, os resultados obtidos na redução do teor de açúcar são consideravelmente menores e mais lentos.

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Fonte: Nielsen IQ, 2022.

De referir ainda que o imposto tem vindo a ser atualizado anualmente à taxa de inflação média, tal como recomenda a Organização Mundial da Saúde, o que permite atenuar o expectável menor efeito a longo prazo deste imposto na redução do volume de vendas.

Porém, reforça-se que a relevância de imposto para a promoção da saúde não se deve tanto à redução do consumo destas bebidas, mas sim ao seu incentivo à redução do teor médio de açúcar destas bebidas a circular.

Este imposto tem promovido uma continuada redução do teor de açúcar destas bebidas.

Os dados mais recentes, para o ano de 2023, comprovam que esta tendência se mantém, pelo que o imposto continua a exercer o seu efeito. Mais ainda, as medidas de autorregulação ou corregulação da iniciativa da indústria alimentar, nunca promoveram reduções tão significativas no teor de açúcar dos alimentos nem a esta velocidade.

Algumas conclusões

O processo de implementação de medidas fiscais para reduzir a disponibilidade de açúcar no território nacional parece estar a funcionar e a atingir os seus objetivos desde a sua implementação.

O modelo implementado foi particularmente eficaz na reformulação das bebidas açucaradas reduzindo o teor de açúcar disponibilizado a uma velocidade e abrangência sem precedentes.

As medidas adotadas para a atualização das medidas fiscais parecem funcionar, mantendo a pressão na inovação e na criação de novas propostas com menos açúcar.

A construção destes modelos e sua implementação pode beneficiar do apoio de organizações internacionais e da participação técnica dos nutricionistas, tanto no alerta dos problemas como no delinear das propostas fiscais.

O facto de os proveitos desta taxa reverterem para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) podem ajudar a explicar a boa aceitação destas medidas por parte da população nos estudos já efetuados sobre este assunto.

As medidas fiscais ajudaram a melhorar o ambiente alimentar onde as pessoas escolhem e compram alimentos, mas estas medidas para serem mais eficientes necessitam de ser integradas numa estratégia global e complementadas com medidas que permitam a capacitação dos cidadãos para fazerem escolhas saudáveis.

A OMS e os estudos independentes de entidades internacionais têm colocado Portugal como país de referência na integração destas medidas.

Dada a abrangência das medidas fiscais e sua horizontalidade, parece-nos que estas medidas podem ser menos discriminatórias socialmente do que as medidas de capacitação das populações, que tendem a atingir com menos intensidade e resultados as populações mais frágeis economicamente e com menores níveis de escolaridade, mas é necessário confirmar esse efeito.

Apesar dos esforços realizados pelas autoridades nacionais e da redução da obesidade infantil durante alguns anos da última década, não podemos relacionar diretamente estes efeitos com as medidas implementadas, pois as doenças de base alimentar são multifatoriais e muito sensíveis a variações na economia, entre outras.

Apesar de tudo isto, é possível concluir que as medidas fiscais permitiram e permitem reduzir o consumo de açúcar e de calorias vazias proveniente das bebidas açucaradas à venda em Portugal.

Escrito por

prof pedro graça nutricionista
Pedro Graça
Nutricionista, Professor Associado na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto | Website

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