Vitamina D, a discussão em curso

Muito se tem escrito e falado sobre o tema da vitamina D em Portugal nos últimos anos. O mediatismo deste tema advém de um conjunto de circunstâncias que envolvem não só o reconhecimento da sua importância na saúde humana como da constatação de que uma parte significativa da nossa população poderá não ter os níveis adequados desta vitamina.

Importa, pois, fazer um ponto de situação sobre assunto, até porque não raras vezes assistimos a afirmações que não correspondem minimamente à verdade e podem, inclusivamente, ser mais prejudiciais do que úteis.

Situação da população portuguesa

Assim, e em primeiro lugar, iremos descrever a situação da população portuguesa relativamente aos níveis plasmáticos de vitamina D.

Não existe nenhum estudo que avalie toda a população portuguesa com o recurso a uma amostra representativa, pelo que os dados disponíveis se referem apenas a algumas subpopulações específicas, nomeadamente idosos, crianças e indivíduos com algumas patologias. Devem, por isso, ser interpretados com a cautela devida.

Numa amostra representativa de 1500 idosos portugueses, o estudo Nutrition UP65, verificou-se que uma proporção muito significativa destes, cerca de 40%, exibem níveis de Deficiência, ao passo que 30% têm Insuficiência, sempre usando os critérios mais consensuais, os do Institute of Medicine, dos Estados Unidos da América.

Numa amostra de adolescentes da região do Porto (https://doi.org/10.1017/S1368980017002804), observaram-se igualmente níveis baixos desta vitamina, com particular incidência nos meses de Inverno.

Noutra amostra de doentes adultos com Síndrome Metabólico, cerca de 38% tinham também níveis de Deficiência (https://doi.org/10.1186/s12902-017-0221-3).

Muito embora existam algumas dúvidas acerca da precisão dos valores obtidos, dado que não o foram através do método de referência (que é a cromatografia líquida com deteção por espetrometria de massa em tandem, LC-MS), estes apontam para uma situação de níveis globalmente baixos e suscetíveis de causar danos na saúde, especialmente ao nível osteoarticular.

A segurança com que o afirmamos deve-se ao facto de, muito embora estes valores terem sido obtidos por outra metodologia analítica (eletroquemiluminescência), um importante trabalho de Cashman e colaboradores mostra que existe uma boa correlação entre os métodos e que a eventual sobrestimação ou subestimação pela eletroquemiluminescência não tem magnitude suficiente para, dada a grande quantidade de indivíduos com níveis baixos, deixar de nos preocupar a este respeito (https://doi.org/10.3945/ajcn.115.120873).

Deste modo, importa perceber que fatores poderão estar na génese desta situação e desde logo teremos de pensar nas fontes de vitamina D, ou seja, a radiação solar ultravioleta B (UVB), a alimentação e os suplementos alimentares.

Fontes de Vitamina D: raios UBV

Os níveis de UBV num país como Portugal são regra geral suficientes (Índice UV acima de 3) durante o período da Primavera e do Verão, mas incapazes de fazer a pele sintetizar esta vitamina nos meses do Outono e do Inverno.

Assim, esta importante fonte apenas está disponível durante parte do ano, acrescendo que a utilização de protetor solar praticamente anula a sua síntese cutânea em qualquer estação. Se a isto acrescentarmos os indivíduos com baixo número de horas ao ar livre, os que cobrem grande parte do corpo com roupa, os indivíduos de pele mais escura e os idosos (nestes dois grupos a capacidade de sintetizar a vitamina D está diminuída), temos reunidas as condições para baixos níveis de síntese cutânea desta vitamina.

Vitamina D na alimentação

Também a alimentação apresenta problemas como fonte de vitamina D. Os dados do Inquérito Alimentar Nacional 2015-2016 mostram que cerca de 95% dos Portugueses não ingere a quantidade preconizada, um fenómeno que não espanta dada a escassez de fontes alimentares, que se resumem ao peixe e alimentos fortificados, ainda raros em Portugal.

As medidas a tomar para a urgente correção desta situação passarão, essencialmente, pela suplementação generalizada ou pela fortificação obrigatória de alimentos. Isto porque eventuais recomendações para aumentar a exposição solar não só não são possíveis durante parte apreciável do ano como esbarram nas legítimas preocupações acerca do aumento da probabilidade de cancro da pele com a exposição aos raios ultravioletas.

Certamente muito terá ainda de ser feito até se poder propor uma estratégia nacional a este respeito, mas o que não parece razoável é manter o estado atual e continuar a sujeitar as populações e os serviços de saúde ao elevado número de doenças osteoarticulares (e eventualmente outras) resultantes de níveis de vitamina D tão baixos.

Escrito por

Nutricionista, Professor Associado na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação, Universidade do Porto | Website
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