Como fazer uma alimentação saudável e sustentável

A alimentação inadequada, com a decorrente má-nutrição, constitui a principal causa de problemas de saúde no mundo. Hoje, acima de 820 milhões de pessoas têm fome, e 2 biliões de adultos e mais de 40 milhões de crianças têm excesso de peso. E desnutrição, obesidade e alterações climáticas atacam em simultâneo para produzir efeitos graves numa região ou família, sendo urgente dispor de uma estratégia que lide, de uma só vez, com essas três epidemias, intervindo nos sistemas alimentares, para melhorar a equidade social, a produção e o consumo responsável, a saúde humana e dos ecossistemas, e o desenvolvimento económico.

A alimentação saudável sustentável deverá:
– A nível do planeta, ter baixo impacto ambiental, preservar a biodiversidade e a saúde dos ecossistemas, e para tal, modificar a produção, tecnologia, distribuição e marketing nos sistemas alimentares, criando mecanismos de legislação e rotulagem, alinhados entre diferentes setores governamentais;
– A nível humano, promover saúde e bem-estar físico, mental e social; garantir acessibilidade e segurança alimentares; respeitar a aceitabilidade, cultura, culinária, gastronomia, e as formas tradicionais de produção e consumo de cada região; e ter custo adequado (em cerca de 2000 crianças do Porto, mostrámos que comer de forma mais mediterrânica pode ser mais caro do que o inverso).

Como características principais de uma alimentação saudável sustentável, destacamos:
– Fazer aleitamento materno exclusivo nos primeiros 6 meses de vida;
– Encorajar uma alimentação nutricionalmente adequada de base vegetal, mesmo que o conhecimento sobre o resultado preciso de cada padrão alimentar, na saúde e sustentabilidade, esteja longe de estar completo;
– Preservar a biodiversidade dos alimentos, evitando a exploração excessiva de recursos;
– Assegurar a ausência, ou minimizar a presença, de patogenos, toxinas, contaminantes, antibióticos, hormonas, e plásticos (ou seus derivados), nos alimentos ou na sua produção;
– Na escolha alimentar, considerar o tipo de processamento, privilegiando os alimentos em natureza (as partes comestíveis de vegetais e animais – com benefícios únicos de preservar a matriz original do alimento – e a sua culinária), e os alimentos minimamente processados (procedimentos para aumentar a duração dos alimentos em natureza, como a pasteurização, ou para facilitar o uso culinário, como a moagem, ou para mudar o flavor, como a fermentação), em detrimento de alimentos ultraprocessados (muitas vezes formulações industriais, tipicamente com 5 ou mais ingredientes, com aditivos e substâncias como açúcares, óleos, gorduras, sal, antioxidantes, estabilizantes e conservantes);
– Ter água limpa e segura, como bebida de eleição;
– Evitar desigualdades de género, nomeadamente quanto à alocação de tempo para comprar e preparar alimentos; e
– Reduzir drasticamente perdas e desperdício de alimentos.

A alimentação de base vegetal pode variar muito (não implica ser vegetariana, um padrão que é saudável e pode ter ovos e leite), e abrange modelos tradicionais em muitas culturas do planeta que incluem: quantidades reduzidas de produtos de origem animal (particularmente carnes vermelhas); quantidades elevadas de alimentos de origem vegetal, como hortaliças, legumes, fruta, cereais integrais, leguminosas, frutos gordos e sementes; adequação energética; e chá e café. Ao recomendarmos a ingestão destes alimentos em padrões, obtemos efeitos sinérgicos entre alimentos que sejam consumidos em simultâneo, logo na refeição ou no decurso do dia, com benefícios de saúde muito superiores aos que resultariam de uma ingestão desagregada desses alimentos.

Nos padrões alimentares flexitariano (semelhante ao piscitariano, mas com produtos de origem animal em moderação), piscitariano (semelhante ao vegetariano, mas com pescado), vegetariano, e vegan (sem produtos de origem animal), vão decrescendo os alimentos de origem animal e crescendo os de origem vegetal, respetivamente. Os padrões alimentares de base vegetal convergentes com a sustentabilidade, como o Mediterrânico, Nórdico, e DASH são extensivamente associados a mais saúde e longevidade, menos mortalidade e risco de doenças não-transmissíveis (DNT). A Planetary health diet, ainda que criticada por poder diminuir a mortalidade de forma desigual, consoante o nível sociodemográfico dos países, tem o mérito de propor reduzir as DNT melhorando a sustentabilidade (Quadro 1).

Como fazer uma alimentação saudável e sustentável 5

É importante recordar que um padrão de alimentação de base vegetal não é obrigatoriamente saudável, como sucede quando se exagera em cereais refinados, batatas fritas, sal, óleos, bebidas ou produtos açucarados. Assim, as escolhas alimentares que fazemos podem ser saudáveis e sustentáveis, não saudáveis e sustentáveis, ou saudáveis, mas não sustentáveis. Por isso, é importante ter ajuda de nutricionista para evitar preocupações com eventuais défices nutricionais (por exemplo, de vitaminas B12 ou D, cálcio, ferro ou zinco), nomeadamente nos grupos de indivíduos mais vulneráveis.

* Texto já publicado na Revista Cadernos de Economia da Ordem dos Economistas.

Escrito por

Pedro Moreira 3
Pedro Moreira
Nutricionista, Professor Catedrático na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto | Website

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