Repensar a descrição dos menus: um novo paradigma como um caminho para mais saúde e mais sustentabilidade

As recomendações em matéria de alimentação e nutrição advogam um consumo abundante de alimentos de origem vegetal, com especial ênfase para os produtos hortícolas, cereais pouco refinados, leguminosas e frutos. Por seu turno, recomenda-se moderação no consumo de alimentos de origem animal, como o pescado, ovos, lacticínios e carne.
Não obstante os princípios atrás enunciados, continuamos a ter hábitos alimentares que se afastam muito destas recomendações, preponderando o consumo de produtos de origem animal sobre os restantes.
A redução do consumo de carne é imperativa, não apenas por questões de saúde, mas também em matéria de sustentabilidade. Existe atualmente uma vasta evidência científica que suporta a necessidade de alterar os sistemas alimentares no sentido da redução do consumo de produtos de origem animal, promovendo uma alimentação assente em alimentos de origem vegetal.
No entanto, cultural e socialmente temos práticas que perpetuam algumas crenças e conceções sobre o que deve ser a alimentação, como a importância que damos à fonte de proteína nos pratos que idealizamos para uma ementa. A centralidade dos pratos está na carne o no peixe. Em qualquer restaurante, para a grande maioria dos chefes, nas receitas que temos disponíveis em livro e revista, a carne e o peixe são invariavelmente destacados, deixando para último lugar a componente de origem vegetal. A esta é atribuída muito pouca importância, não sendo, por vezes, sequer mencionada. É dispensada ou tratada como um mero elemento decorativo no prato. Estas práticas levam a que, desde idades precoces construamos aquilo que é a conceção de um prato adequado, o que é correto e o que definimos como norma.
Esta conceção está de tal forma enraizada na nossa cultura, que quando falamos de alimentação vegetariana, temos necessidade de mimetizar a mesma conceção, construindo “substitutos proteicos”, como hambúrgueres de vegetais, bife de seitan, leite de soja… entre outros, ao invés de olharmos para os pratos como um todo em que as combinações entre cereais, hortícolas e leguminosas resultam no equilíbrio pretendido.
Por outro lado, alimentos de origem animal têm uma conotação muito positiva face aos alimentos de origem vegetal, a que se associa uma perceção negativa. Enquanto a carne é socialmente um alimento com um significado simbólico de muito prestígio, associado à disponibilidade económica para a adquirir, os alimentos de origem vegetal são tidos como desprestigiantes, ligando-se à pobreza e à escassez de alimentos.
Como resultado de uma larga experiência a preparar e confecionar carne e pescado, somos pouco criativos face às formas de preparação e confeção de produtos de origem vegetal, associados a tempos de preparação mais morosos e trabalhosos.
É por isso necessário mudar práticas para mudar crenças, modernizando a imagem e perceção que estes alimentos têm por parte do público em geral, ao enfatizar os benefícios, ao investir no desenvolvimento de técnicas de preparação e confeção, sublinhando o seu baixo custo e os aspetos ligados à sustentabilidade, gerando mais e maior conveniência na aquisição e disponibilidade destes produtos.
Existem diversos estudos que reportam estratégias de sucesso relacionadas com as descrições associadas aos pratos, observando que é possível modificar a perceção que os consumidores têm sobre a refeição, quer através da posição em que os componentes são colocados, quer através de uma descrição mais detalhada, enfatizando os aspetos sensoriais, ou a forma de confeção (caseiro vs industrial), ou mesmo através do tipo de letra, tamanho, cor usada para os itens que interessa promover. Os autores são consensuais ao referir que quando os itens mais saudáveis são destacados, aumenta a atenção que o consumidor lhes dá, potenciando o seu consumo.
Há então, que alterar mentalidades e preconceitos relativamente à alimentação. Assim, com o objetivo de fomentar o consumo e dar maior destaque aos hortícolas e alimentos de origem vegetal, porque não começar, na restauração pública e coletiva, pelo descritivo do que vai nos pratos?
Ou seja, não mencionar a carne, ou peixe, em primeiro lugar, antes enunciando prioritariamente os hortícolas e acompanhamentos, à semelhança do que está regulamentado para a lista de ingredientes da rotulagem, na qual os ingredientes aparecem por ordem decrescente da quantidade.
Teríamos, aqui, a oportunidade de inovar, olhando numa nova perspetiva para aquilo que comemos. Atribuiríamos a devida importância aos alimentos de origem vegetal, essenciais para a saúde do nosso planeta e para a saúde dos indivíduos. Teriam, também, os chefes de cozinha a oportunidade de explorar estes alimentos nas suas infinitas variedades, com a vantagem de tornar os pratos muito mais atraentes, coloridos e diversificados nos sabores e texturas.

Deixamos aqui alguns exemplos:

Repensar a descrição dos menus: um novo paradigma como um caminho para mais saúde e mais sustentabilidade 7

Escrito por

Ada Rocha 3
Ada Rocha
Professora Associada da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto
Cláudia Viegas 5
Cláudia Viegas
Professora Adjunta da Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril

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