As reformas são permanentes ou devem ser permanentes no seio de instituições que refletem sobre elas próprias ao longo dos tempos. Estas discussões, não são mais do que tentativas de adaptação a um ambiente sempre em mudança. A FCNAUP não é diferente. Desde as alterações demográficas até à regulamentação das profissões, passando pela permanente evolução científica nas correspondentes áreas de saber, tudo são razões válidas para esta inquietação permanente que caracteriza esta nossa escola de pensamento.

O conhecimento interdisciplinar sempre esteve na base da formação dos nutricionistas pela FCNAUP. O acompanhamento da realidade da prática profissional dos nutricionistas, assim como, o crescimento sustentado de novas áreas de atuação, criaram a necessidade de se atualizar o plano curricular, de forma a fazer face a uma realidade em constante evolução. A introdução de novas áreas disciplinares num contexto finito de créditos implicou uma nova repartição desses créditos pelas diversas áreas curriculares. A consequência foi a redução de tempo letivo em algumas áreas e o ganho de tempo letivo noutras. Procurou-se assim corresponder a uma melhor organização e integração destes conteúdos, dando igualmente expressão a algumas recomendações emanadas da avaliação deste ciclo de estudos pela A3Es.

A 11 de outubro de 2016 temos registo das primeiras discussões formais em que são sugeridas alteração na Licenciatura em Ciências da Nutrição da FCNAUP respondendo também à recomendação da Universidade do Porto em harmonizar as Unidades de Crédito de todas as Unidades Curriculares – UC (vulgo disciplinas) para múltiplos de 3 ECTS.

Foram consideradas e incluídas nesta altura algumas das propostas informais já anteriormente feitas ao Conselho Científico (CC) por grupos de colegas e também por estudantes, nomeadamente na área da Bioquímica, da Microbiologia, da Política, Comunicação, Segurança e Qualidade Alimentar. Entre outras questões, debatemos a concentração de conteúdos de unidades curriculares complementares, nomeadamente as lecionadas ao abrigo do protocolo com a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, como por exemplo a Química Orgânica e Bioquímica. O objetivo deste processo foi a reorganização de conteúdos, incluindo áreas novas não previamente lecionadas e limitando sobreposições. Foi sugerido introduzir uma nova UC chamada “História da Alimentação” e criada uma nova UC com conteúdos da área da Psicologia numa perspetiva mais clínica e de apoio às várias áreas de atuação do Nutricionista. Foi tida como importante a presença no primeiro ano de uma UC com conteúdos que permitissem um contato precoce com áreas de atividade do nutricionista como foi o caso da Gastrotecnia. A ligação das áreas disciplinares de base biomédica com a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) acompanhou a evolução da FCNAUP em geral e da licenciatura em Ciências da Nutrição em particular. Unidades curriculares como Anatomia Humana, Biologia Celular e Molecular, Bioquímica, Histologia, Bioquímica do Metabolismo, Integração e Regulação Metabólica, Fisiologia, Genética, Imunologia e Nutrição Pediátrica irão continuar a fazer parte do novo plano curricular, lecionadas no âmbito de um protocolo de lecionação com a FMUP, mantendo um longo e mutuamente profícuo relacionamento institucional. A redução de tempo letivo em algumas destas unidades curriculares condicionou ajustes nos planos letivos, assim como, uma otimização na distribuição dos tópicos abordados por cada unidade curricular que foi discutida em cada área disciplinar e entre os regentes responsáveis. Estas unidades curriculares fazem parte relevante das fundações sobre as quais se constrói o edifício do conhecimento dos nutricionistas, pelo que são compreensíveis as preocupações suscitadas por estas alterações. Contudo, é nossa convicção que o resultado global desta revisão curricular será uma mais-valia para a formação dos futuros nutricionistas em Portugal.

A 27 de fevereiro de 2017 e em junho de 2019 fizeram-se novas alterações à proposta de reforma curricular que se estabilizaram em setembro de 2019 à luz do Referencial para a Formação Académica do Nutricionista da Ordem dos Nutricionistas. Em maio de 2020, foram discutidas novas alterações e feitos acertos até setembro, altura em que demos esta proposta por finalizada pois na Universidade do Porto, as propostas de alteração enquadráveis no âmbito da autonomia da universidade (como foi este o caso) devem ser remetidas até ao mês de outubro de cada ano para que possam entrar em vigor no ano letivo seguinte com os pareceres favoráveis dos Conselhos Científico e Pedagógico e compromisso de creditação.

Uma das áreas onde fizemos uma alteração mais profunda foi a do exercício físico e da nutrição. Nos últimos anos, tem-se assistido a um aumento do número de pessoas que pratica exercício físico, quer para promover a sua saúde e bem-estar quer para participar em competições desportivas. Paralelamente, observou-se um incremento no número de atletas federados, de diferentes modalidades, de ambos os sexos e todos os escalões etários. Considerando as limitações impostas pela genética e na impossibilidade de aumentar indefinidamente os volumes de treino, observa-se um aumento pelo interesse de outras áreas, como a nutrição, que possam influenciar o desempenho atlético.

De facto, cada vez mais atletas, recreativos ou profissionais, reconhecem que uma alimentação saudável e adaptada ao tipo de exercício contribui para a concretização dos seus objetivos, sejam eles ter um estilo de vida mais saudável ou competir melhor. É amplamente aceite que a alimentação interfere na adaptação e recuperação do treino, na performance competitiva, na obtenção de uma composição corporal adequada e na diminuição do risco de lesão, entre outros. É por “sentirem na pele” que a alimentação os pode ajudar neste processo de melhoria, que cada vez mais praticantes de exercício físico procuram nutricionistas com formação específica na área.

Assim, a FCNAUP tem que estar na vanguarda da formação de profissionais com credenciais nessa área. Capazes de compreenderem a fisiologia e bioquímica do exercício e estabelecerem recomendações que mitiguem a fadiga de acordo com a modalidade, avaliar o estado nutricional e propor estratégias para a sua melhoria, conhecerem as necessidades nutricionais de atletas, particularmente daqueles em idade pediátrica ou mais avançada, do sexo feminino, que seguem um padrão alimentar vegetariano ou de diferentes religiões, avaliarem criticamente a eficácia e segurança dos suplementos alimentares, entre outros. A sua intervenção, além de se dever basear na melhor evidência científica disponível, tem que ter como pedra angular o respeito pela saúde do atleta. Cada vez mais, as pessoas procuram profissionais especializados nesta área. Este foi o desígnio da FCNAUP quando decidiu incluir duas novas unidades curriculares sobre a esta área disciplinar no seu programa: Nutrição e Exercício Físico e Alimentação para Atletas.

A UC de Tecnologia Alimentar passou a integrar conceitos de Inovação, passando esta UC a designar-se por Tecnologia Alimentar e Inovação. Com esta alteração, aos estudantes será proporcionado o contacto com as ferramentas e técnicas necessárias para desenvolver e apresentar propostas de valor para o indivíduo e para a sociedade. Promover-se-á uma maior compreensão sobre os conceitos e as funções dos processos de inovação, os seus ciclos e vias de desenvolvimento. De facto, o trabalho do nutricionista contribuirá cada vez mais para o desenvolvimento de soluções para os principais desafios do sistema alimentar. Foi também proposta uma nova UC na área do Marketing com uma componente mais sólida da formação na importante área do marketing agroalimentar

A concretização do processo resultante da declaração de Bolonha incluiu uma vertente da transição para um sistema de ensino baseado no desenvolvimento das competências dos estudantes, incluindo, entre outras, competências transversais e competências resultantes do trabalho experimental ou de projeto. Para dar corpo a esta mudança pretendida, criámos uma UC dedicada à promoção e desenvolvimento de competências transversais, vocacionada para a inserção no mercado de trabalho. Considerou-se que esta UC permitirá aos estudantes, não só adquirir novas competências interpessoais e profissionais, antecipando as necessidades sentidas no âmbito do estágio académico e facilitando a transição para o mercado de trabalho, como consolidar competências adquiridas ao longo do curso. De facto, qualquer currículo formal no Ensino Superior deverá ser elaborado com base na ideia de que os estudantes serão preparados, através desse mesmo currículo, para um futuro que é amplamente desconhecido. Às instituições de Ensino Superior caberá apresentar currículos formais que assegurem o ganho de competências técnicas e científicas, num processo de antecipação e planeamento das experiências de aprendizagem que os estudantes percorrem durante o curso, a fim de atingir os objetivos educacionais do mesmo. Fazendo uma análise a vários currículos, facilmente percebemos que as competências transversais têm vindo a conquistar uma posição de destaque ao nível da oferta formativa no Ensino Superior, reconhecendo-se a sua pertinência na formação académica dos estudantes enquanto elemento diferenciador, qualificador para o desenvolvimento do pensamento crítico e para o acesso ao mercado de trabalho, potenciando o sucesso académico, o desenvolvimento pessoal e as perspetivas de carreira. Foi com estes objetivos que foi pensada esta nova unidade curricular que é aberta a toda a comunidade da UP seguindo a lógica de diversos autores que situam as competências transversais como aquelas que são comuns a diversas atividades, transferíveis de função para função, adquiridas na interação com os outros e na formação não formal, relacionando-se com a capacidade de gerir os recursos (competências intrapessoais), relacionamento interpessoal (competências interpessoais) e desempenho de funções profissionais (competências profissionais).

Estas foram algumas das áreas trabalhadas durante esta discussão. Por escassez de espaço deixamos alguma desta discussão para outros textos a publicar em breve no Pensar Nutrição.

Por fim, dizer que estas alterações surgem também num momento de grande pressão sobre o Ensino Superior e sobre a profissão dos nutricionistas decorrente da pandemia provocada pelo SARS-CoV-2. A revolução digital e o ensino à distância bem como a capacidade da profissão em dar uma resposta a estas novas patologias que misturam a doença infeciosa com a patologia crónica de base alimentar surgem já como desafios futuros para uma nova discussão. Como escola que se preze, esta é uma discussão que já chegou e que se segue.

A FCNAUP apresenta um novo plano de estudos na formação dos Nutricionistas em Portugal 17

*O presente texto resulta do contributo generoso dos co-autores que foram convidados para escrever este documento em função das áreas onde se inserem e onde ocorreram mudanças curriculares mais significativas ou pelo menos mais visíveis. A todos o nosso muito obrigado.

Escrito por

Nutricionista, Professor Associado na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto | Website

Pedro Graça Diretor da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto

Nutricionista, Professora Auxiliar Convidada na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto | Website
Nutricionista, Professor Associado na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação, Universidade do Porto | Website
Coordenadora dos Serviços Académicos e Professora Auxiliar Convidada da FCNAUP | Website
Nutricionista, Professor Auxiliar na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação, Universidade do Porto | Website
Coordenadora do Serviço de Documentação e Informação da FCNAUP | Website
Nutricionista, Professor Associado na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação, Universidade do Porto | Website
Professor Auxiliar Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto | Website