1. Factos em análise?
Uma recente notícia, divulgada em alguns órgãos de comunicação como por exemplo a SIC Notícias, afirma que as batatas fritas em azeite são mais saudáveis do que cozidas. Esta notícia é baseada num estudo publicado em 2015 na revista Food Chemistry por uma equipa de investigadores da Universidade de Granada, em Espanha. Que conclusões constam, assim, do estudo, de maneira a que se possa dele extrair tal notícia?
2. Análise do(s) facto(s) tendo por base a evidência científica
O estudo compara o teor de compostos polifenólicos em alguns alimentos (batata, beringela, tomate e abóbora) consoante sejam submetidos a diferentes processos culinários, a saber a fritura em azeite extra virgem, salteados ou cozidos em água ou numa mistura água/óleo. Foi igualmente determinada, para cada conjunto alimento/processo culinário a respetiva capacidade antioxidante total, com recurso a três métodos distintos.
Este conjunto bastante exaustivo de dados (foram analisados individualmente 18 compostos fenólicos distintos) mostrou, resumidamente, que os alimentos fritos em azeite extra virgem exibem uma maior quantidade de alguns compostos polifenólicos, sendo o teor final também dependente do produto base submetido ao respetivo método.
Sendo certo que existe razoável evidência acerca de alguns mecanismos que relacionam o teor de polifenóis na dieta e a saúde (ver por exemplo aqui ), tem sido mais difícil provar esta associação em algumas doenças específicas, como a hipertensão arterial , o cancro da mama ou o cancro colorretal, para citar apenas algumas.
Por outro lado, apesar da dieta Mediterrânica constituir um modelo alimentar que providencia um teor destes e outros compostos cujos efeitos já se encontram relativamente bem estabelecidos, não é menos verdade que a prova acerca dos efeitos desta dieta, que privilegia os hortícolas, frutos e o azeite, ainda não possui prova absolutamente concludente quanto ao seu benefício sobre marcadores como doença cardiovascular ou outras.
Não é, pois, sequer inequívoco, à luz da melhor ciência atualmente disponível, que um maior teor deste tipo de polifenóis seja sinónimo de melhor saúde.
Por estes e outros motivos, nenhuma conclusão consta do artigo acerca da fritura ser mais ou menos saudável do que os outros métodos culinários, sendo apenas referido o maior teor em polifenóis e capacidade antioxidante.
3. Veredicto final do “Pensar Nutrição”
A conclusão de que as batatas fritas são mais saudáveis que as cozidas é, assim, uma extrapolação grosseira e errada das honestas conclusões do artigo, pelo que consideramos este título como “FALSO”.
Como nota adicional cumpre referir que uma notícia deste tipo, favorecendo a fritura como método culinário, constitui em nosso entender um sinal errado em termos de saúde pública, e por várias razões. Desde já, o aumento da densidade energética do alimento, aumento este que está associado ao aumento da prevalência de obesidade, que é seguramente um dos mais importantes problemas de saúde pública que enfrentamos neste momento. Depois porque dado que muitas famílias e estabelecimentos de restauração não fritam com azeite extra virgem é muito pouco provável que este teor de polifenóis seja igualmente alto nesses alimentos fritos, acrescendo ainda o problema de que a resistência dos óleos alimentares às altas temperaturas ser por vezes inferior ao do azeite. Por último, importa referir que a dieta mediterrânica é um modelo alimentar complexo, que engloba inclusivamente outras facetas do estilo de vida que vão para além dos alimentos propriamente ditos e que por isso se torna bastante redutor tentar explicá-lo com base em alguns compostos químicos, sem com isto desprezar o valor essencial deste tipo de investigação.