Neste texto fazemos um breve análise ao Orçamento do Estado para 2020, refletindo sobre o como a sua aprovação pode afetar a área da nutrição, em particular as políticas públicas de promoção da alimentação saudável.
O Orçamento do Estado (OE) é um exercício orçamental anual da responsabilidade do Governo que identifica onde o Estado pretende gastar/investir o dinheiro gerado pelos nossos impostos. Por isso, contém uma previsão discriminada das receitas e despesas do Estado, e deve ser apresentado à Assembleia da República, sob a forma de proposta de lei. No OE estão incluídas as “Despesas públicas ou correntes” que são as despesas que garantem o funcionamento da administração pública, ou seja, o dinheiro que o Governo tem para pagar os salários dos funcionários públicos, nomeadamente dos nutricionistas, médicos ou enfermeiros que trabalham nas unidades de saúde públicas e as “Despesas de capital” que é o dinheiro que o Estado gasta em estradas, pontes, escolas, hospitais, bibliotecas, ou seja, em bens que aumentem a capacidade produtiva do país.
O OE reflete a orientação estratégica do Governo e onde pretende fazer investimentos. Apesar de Governo ter definido para os próximos anos, quatros desafios estratégicos (“combater as alterações climáticas, enfrentar a dinâmica demográfica, liderar a transição digital e reduzir as desigualdades”), que não contemplam diretamente o setor da saúde, a proposta para o Orçamento do Estado para 2020, considera “Reforçar a oferta e qualidade dos serviços prestados pelo Serviço Nacional de Saúde” com um dos seus 4 eixos estratégicos, a par de “Preservar a consolidação orçamental estrutural (contas públicas certas e equilibradas)”, “Densificar as políticas de proteção social e de combate à pobreza” e “Promover políticas que pretendam enfrentar a dinâmica demográfica”. Fica assim a expectativa de que o investimento na saúde será uma das prioridades políticas para os próximos anos.
Na área da saúde, este orçamento pretende reforçar o orçamento do SNS para 2020 em 926 milhões de euros face ao orçamento de 2019, através de um aumento de 10%, com vista ao aumento da capacidade de resposta do SNS, incluindo o aumento previsto de 8.400 profissionais de saúde, o reforço do investimento em instalações e equipamentos, e de melhorias no acompanhamento e avaliação da gestão das unidades do SNS, ou seja, o Governo comprometeu-se publicamente em reforçar com 800 milhões de euros a área da saúde e em contratar mais 8.400 profissionais de saúde.
Da análise do OE 2020, é possível identificar algumas áreas que constituíram as prioridades do Governo para o reforço do sector da saúde, sendo que poderão ser destacadas algumas das medidas que irão representar mudanças para a prestação de cuidados na área da nutrição:
1) Reforço dos profissionais no SNS, estando prevista para 2020 a contratação de cerca de 8 400 profissionais de saúde – “Entre outubro de 2015 e de 2019 houve um acréscimo de 15 273 trabalhadores (12,8%) nas várias categorias profissionais do SNS: mais 3 820 (15%) médicos, mais 6 629 (17,3%) enfermeiros, mais 929 (12,3%) técnicos de diagnóstico e terapêutica e mais 3 895 (8,1%) efetivos de outras categorias profissionais. Em 2020, a dotação orçamental do SNS será reforçada em 942 milhões de euros face ao orçamento anterior, através da contratação prevista de cerca de 8 400 profissionais de saúde.” (pág.181)
2) Reforço da capacidade de resposta e diferenciação dos cuidados de saúde primários, estando explícito o reforço da oferta de cuidados na área da nutrição -“Melhorar a eficiência das unidades funcionais de cuidados de saúde primários (CSP) com equilíbrio do mix da força de trabalho em termos de técnicos superiores de saúde, técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica, assistentes técnicos e assistentes operacionais;” (pág.21) e “Com um custo de 1,8 e de 2 milhões de euros, respetivamente, a despesa total efetiva consolidado do Programa Saúde prevista verá um reforço da oferta de cuidados de psicologia e nutrição em cada agrupamento de centros de saúde (ACES).” (pág. 183).
3) Transição digital na saúde, através de uma estratégia para a modernização dos sistemas de informação do SNS – “Modernizar os sistemas de informação;” (pág.21).
4) Investimento na saúde pública – “No domínio da saúde pública, de forma a aumentar a prevenção da doença e a promoção da saúde, prevêem-se medidas como o alargamento do Programa Nacional de Vacinação (encargos de 10,9 milhões de euros), a continuação da implementação das estratégias definidas nos programas de saúde prioritários e nos programas saúde, o investimento na literacia em saúde da população ou ainda a avaliação do Plano Nacional de Saúde e elaboração de um novo plano 2021-2030 (600 mil euros).” (pág 183).
Destas medidas, é de realçar a importância desta proposta de OE aumentar o acesso e a qualidade dos cuidados de saúde primários, contemplando o aumento da capacidade de resposta na área da nutrição. Esta era já uma proposta que fazia parte do programa eleitoral apresentado pelo Partido Socialista para as legislativas deste ano e que agora parece ter espaço no orçamento previsto para o setor da saúde para 2020. Recordamos, numa análise feita aqui no Pensar Nutrição às propostas dos partidos políticos para a área da alimentação e nutrição nas legislativas de 2019, que o programa eleitoral do Partido Socialista apresentava a seguinte proposta: “Cuidados de saúde primários com mais respostas; Os cuidados de saúde primários são a base do sistema de saúde português e o melhor caminho para atingir a meta da cobertura universal em saúde. Por isso é preciso reforçar os cuidados de saúde primários e, como esse propósito, o PS irá: Continuar a diferenciar os cuidados de saúde primários, melhorando a sua resolutividade, não apenas generalizando os cuidados de saúde oral e visual, de psicologia e nutrição e os meios de diagnóstico, mas oferecendo outras especialidades, como a ginecologia ou pediatria;”.
Outra área que poderemos de destacar é a referência à importância de aumentar a prevenção da doença e promoção da saúde, nomeadamente no que diz respeito à implementação das estratégias dos programas de saúde prioritários, nos quais o Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS) se insere. Isto é particularmente relevante, na medida em que o PNPAS que tem tido apoio, mas sem ter até hoje uma verba alocada no Orçamento do Estado.
A aposta do Ministério da Saúde na modernização dos sistemas de informação do SNS, merece também uma pequena nota. O investimento que o PNPAS fez nos últimos anos, apoiando financeiramente e em exclusividade, o desenvolvimento do módulo de nutrição do SClínico para os cuidados hospitalares e para os cuidados de saúde primários, pode contribuir para uma melhoria significativa das condições de trabalho dos nutricionistas que trabalham no SNS e, consequentemente para assegurar uma melhor prestação de cuidados nutricionais à nossa população. A melhoria contínua destes sistemas de informação e o desenvolvimento de novas funcionalidades, nomeadamente a extração de indicadores, deverá continuar a constituir uma prioridade apoiando o trabalho dos nutricionistas e valorizando a sua produção e o seu contributo para o bom funcionamento do SNS.
Por último, o imposto especial de consumo sobre as bebidas açucaradas, que o setor da saúde tem apoiado tecnicamente desde o seu início, mantém-se no OE 2020, com um ligeiro aumento para as bebidas que se enquadram nos escalões com um teor de açúcar mais elevado, mantendo-se assim uma das medidas considerada custo-efetiva para a promoção de hábitos alimentares saudáveis e que tem mostrado resultados positivos no que diz respeito ao seu impacto na redução do consumo destas bebidas e na reformulação do seu teor de açúcar.
Em todo o caso, esta proposta de Orçamento, como o nome indica, ainda não está fechada nem votada favoravelmente pelo Parlamento. O início da discussão orçamental decorrerá a 6 de janeiro, com audições na Comissão de Orçamento e Finanças dos ministros das Finanças e da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. Após a discussão e votação na generalidade, entre 13 e 27 de janeiro, terá lugar a discussão e votação na especialidade, para a qual foram adiados vários temas, a decorrer entre 3 e 5 de fevereiro. A discussão e votação final terá lugar a 6 de fevereiro, com o objetivo que o documento chegue às mãos do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, até ao dia 24 de fevereiro.