Os principais partidos políticos concorrentes às eleições legislativas de 2019 integram, pela primeira vez e de uma forma alargada, a promoção da alimentação saudável nos seus programas. Fazemos o exercício de elencar as diferentes propostas, quase sempre transcritas dos programas partidários originais, para comparação e análise. Contudo, salientamos que a seleção da informação considerada mais relevante de cada programa e sua agregação em diferentes áreas de intervenção reflete a análise dos autores.
Sem refletirmos sobre o mérito ou demérito de cada proposta política (essa tarefa cabe ao leitor) podemos verificar que a divisão clássica entre políticas ditas mais liberais, que tentam reduzir o poder do Estado incentivando a iniciativa privada, e as políticas social-democratas, com maior responsabilidade e intervenção do Estado como peça principal na promoção do bem-estar social, não se refletem nas propostas apresentadas na área da alimentação.
Seguindo esta linha de ideias, poderíamos admitir, por exemplo, que modelos ou propostas de regulamentação da oferta alimentar em ambiente escolar ou até de taxação de açúcar ou sal pudessem surgir do espectro situado tradicionalmente mais à esquerda ou que as propostas de maior investimento na comunicação e educação alimentar pudessem estar situadas mais à direita. Mas o que se encontra são diversas propostas soltas ideologicamente pelos diferentes programas. Esta situação é, muito provavelmente, resultado da descoberta recente das questões alimentares pelos nossos partidos políticos, tendo em conta a pressão de se fazerem propostas para modificar o consumo alimentar inadequado, o principal determinante dos anos de vida saudável perdidos pela população portuguesa. E também do facto da população votante ter uma perceção positiva das medidas tomadas até hoje para melhorar a qualidade da oferta alimentar (mesmos aquelas na área da criação de impostos) como foi recentemente comprovado em trabalhos científicos. O Segundo Grande Inquérito sobre Sustentabilidade realizado pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (2019) avaliou se os portugueses estão disponíveis para uma intervenção do Estado na área da promoção da alimentação saudável, tendo-se verificado um notório apoio positivo. A maioria dos portugueses (quase 80%) está de acordo com a intervenção do Estado nesta área, incluindo medidas que habitualmente não colhem apoio por parte da população. Mais de 60% dos inquiridos referiu estar de acordo com a criação de impostos sobre alimentos pouco saudáveis. Para além destes aspetos, existem diferentes autores que colocam a possibilidade dos tradicionais antagonismos esquerda-direita não serem facilmente transponíveis para a área da política alimentar na medida em que os modos de produção e de distribuição envolvem questões sobreponíveis ideologicamente como por exemplo as ligadas à defesa da produção local que tanto podem ser colocadas na esfera da proteção ambiental global mais progressista como na área mais conservadora e nacionalista.
Da análise dos diferentes programas eleitorais vislumbram-se três grandes áreas de investimento para a próxima legislatura. Uma aposta em medidas de prevenção da doença e promoção da saúde, onde a promoção de uma alimentação saudável se destaca. Outra área onde se observa a necessidade de intensificar as medidas de promoção da alimentação saudável em ambiente escolar. E por fim, a necessidade de aumentar o investimento e reforçar os cuidados de saúde primários para uma maior capacidade de resposta na área da nutrição.
Portugal possui desde 2012 uma estratégia alimentar nacional ou política alimentar nacional conduzida pela Direção-Geral da Saúde que integra diferentes áreas desde a avaliação da situação até diferentes propostas de intervenção para a melhoria do estado nutricional da população e sua monitorização. Nesta política, reconhecida já internacionalmente, destacam-se medidas que tendem a capacitar o cidadão para escolhas saudáveis e outras destinadas a melhorar o ambiente alimentar onde vivemos, tal como é recomendado pela OMS e pela Comissão Europeia. Ao se comparar esta estratégia com as medidas propostas pelos diferentes partidos, podemos verificar nos programas agora apresentados, um volume grande de propostas centradas na educação, na literacia e na intervenção nas escolas e nos refeitórios escolares. Uma área onde hoje, as autarquias e o poder local têm as principais responsabilidades na contratação de serviços de alimentação e no recrutamento de recursos humanos (nutricionistas nas autarquias). Infelizmente, os programas partidários passam ao lado desta questão bem como de outras, centrais para a melhoria operacional do estado nutricional das nossas populações. Contudo, poderemos relativizar, pois, esta é a primeira legislatura onde as questões da alimentação e nutrição constam (melhor ou pior) nas propostas programáticas de quase todos os partidos. Uma novidade importante para a nutrição em Portugal. A nutrição ganha voz política em Portugal através dos partidos políticos. Uma novidade que iremos acompanhar.
1. Promoção da alimentação saudável em contexto escolar
2. Melhorar o acesso e a qualidade dos cuidados de saúde primários – Aposta nas consultas de nutrição
3. Prevenção da doença e promoção da saúde
Nota
Os autores são professores de Política Nutricional na FCNAUP. Estiveram ou estão ligados ao Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS) da Direção-Geral da Saúde. Os autores não têm qualquer afiliação política ou interesses pessoais na área.