Introdução
Um programa eleitoral é um documento ou conjunto de propostas que apresenta as intenções e planos de um candidato ou partido político em relação a questões políticas, sociais, de saúde, económicas, ambientais entre outras. Ele é criado para informar o eleitor sobre as metas e ações que serão priorizadas se determinado partido ganhar as eleições ou apoiar um Governo, proporcionando uma base para que os eleitores avaliem e comparem as diferentes opções disponíveis durante uma eleição, ajudando-os a tomar decisões informadas sobre em quem votar com base nas promessas e nas políticas propostas.
Um programa eleitoral é, portanto, um posicionamento político ou uma forma de ver e agir sobre a sociedade e deve ser visto na totalidade aquando da tomada de decisão individual do eleitor.
Neste exercício, avaliámos a atenção dada às questões da alimentação e nutrição pelas diferentes forças partidárias com assento parlamentar e as suas propostas para a melhoria dos hábitos alimentares dos portugueses. É a nossa área de trabalho e o nosso interesse profissional como nutricionistas e investigadores na área das políticas públicas alimentares e nutricionais. Todo e qualquer elogio ou crítica restringe-se a esta área programática, sendo que não analisámos medidas que indiretamente poderiam afetar ou não a melhoria do estado nutricional das populações. A análise é enviesada pela nossa visão académica do que deve ser uma política pública na área da alimentação e nutrição. E não deve, naturalmente, afetar a leitura global dos programas políticos e a tomada de decisão dos eleitores, que deve ir para além das questões nutricionais e alimentares.
Ao longo do texto, faremos uma referência inicial ao que são os problemas alimentares e nutricionais atualmente em Portugal e formatos de resolução (no nosso entendimento).
Descrevemos os programas apresentados a estas eleições legislativas de 2025 e fazemos uma reflexão sobre as propostas programáticas, eventualmente comparando com os programas dos últimos anos.
A importância dos programas eleitorais
Entendemos os programas eleitorais como contratos com os eleitores, onde se identificam as prioridades das diferentes forças políticas e as suas propostas de ação para um determinado período.
A existência de propostas explícitas e a eventual capacidade de avaliar a sua execução por parte dos leitores parece-nos um caminho razoável que está longe de acontecer. A necessidade de resolver problemas de curto prazo colocados pelos eleitores, como está neste momento a acontecer, por exemplo na área da saúde e relacionado com o acesso a consultas e serviços de urgência, acabam por relegar para segundo plano as estratégias mais gerais para a melhoria da saúde da população. Ou até para a prevenção da doença que é um assunto claramente menorizado nos últimos atos eleitorais. Para além destes laços estreitos com os eleitores com base na resolução de problemas e não em princípios ideológicos gerais, também a resolução dos problemas colocados devido à pressão das corporações podem acabar por descaracterizar ideologicamente os programas eleitorais.
Principais problemas alimentares e nutricionais em Portugal
A alimentação inadequada, é uma das principais causas evitáveis das doenças crónicas não transmissíveis — nomeadamente da obesidade, doenças oncológicas, cérebro-cardiovasculares e da diabetes mellitus tipo 2 — que em Portugal contribuiu para 5,8% dos DALYs (Disability-adjusted life years— anos de vida perdidos por incapacidade) e para 8,3% da mortalidade, no ano de 2021. Em Portugal, a prevalência das doenças crónicas potencialmente associadas à alimentação inadequada é elevada, sendo um dos principais problemas de saúde pública, que representa cerca de 86% da carga total de doença.
Segundo o relatório The Heavy Burden of Obesity – The Economics of Prevention da OCDE, em Portugal, 10% da despesa total da saúde (equivalente a 207 € per capita por ano) é utilizada para o tratamento de doenças relacionadas com o excesso de peso, uma percentagem superior à média dos países da OCDE (8,4%), valor que representa 3% do Produto Interno Bruto (PIB).
O baixo consumo de cereais integrais (62.238,56 DALYs; 1,72% do total), o elevado consumo de carne vermelha (44.060,02 DALYs; 1,21% do total), o elevado consumo de carne processada (32.130,30 DALYs; 0,90% do total), destacam-se como os principais fatores alimentares que contribuem para a perda de anos de vida saudável. Estes três fatores são responsáveis por cerca de 138.428,88 DALYs. Destacamos que 56% da população portuguesa não atinge o consumo recomendado de fruta e hortícolas (≥ 400 g/ dia), sendo a percentagem de inadequação particularmente preocupante no grupo das crianças (72%) e dos adolescentes (78%).
De sublinhar ainda o gradiente social associado a estas doenças de base alimentar, pois estas são mais prevalentes nas populações com menos escolaridade, e o impacto significativo das escolhas alimentares em termos ambientais contribuindo para o aumento do consumo de água e emissão de gases com efeito de estufa.
Uma estratégia de base científica para a melhoria da situação alimentar e nutricional em Portugal
Definimos políticas nutricionais como políticas públicas que visam a melhoria do estado nutricional das populações. Estruturalmente, estas políticas tentam modificar a disponibilidade de certos alimentos e a sua oferta em espaços públicos, informar e capacitar os cidadãos para a compra, confeção e armazenamento de alimentos saudáveis em especial nos grupos mais desfavorecidos da população.
Neste documento, consideramos como referência, a estratégia alimentar e nutricional proposta pela Direção-Geral da Saúde e do seu Programa prioritário na área da alimentação para 2022-2030, que se baseia nas propostas gerais da Organização Mundial da Saúde (OMS-Europa), em algumas recomendações da Comissão Europeia (CE) e em textos de peritos sobre como melhorar a situação alimentar e nutricional de uma população. O modelo pode ser observado em mais detalhe na figura 1. e em Eixos e estratégias de intervenção do PNPAS 2022-2030.
Esta estratégia tem sido focada em dois grandes pilares. Por um lado, o pilar da modificação dos ambientes alimentares, tornando-os promotores de uma alimentação saudável. Por outro, a modificação dos comportamentos individuais, tornando os cidadãos mais capazes de fazerem escolhas alimentares saudáveis. Mais recentemente, a DGS propõe-se privilegiar outro pilar centrado no reforço da ação ao nível dos serviços de saúde e da prestação de cuidados de saúde. Este novo pilar de intervenção relaciona-se fortemente com a crescente magnitude do problema do excesso de peso, da obesidade e dos hábitos alimentares inadequados na população portuguesa o qual obriga a uma intervenção imediata e mais abrangente através e com os serviços de saúde, assegurando mais respostas e de maior qualidade e capacitando para uma resposta integrada dos seus diferentes atores.
A modificação dos ambientes alimentares e do sistema alimentar pressupõe um importante trabalho intersectorial que não pode ficar limitado apenas ao setor da saúde, apesar de considerarmos que deve ser este a liderar o processo da mudança. O setor da agricultura que pode determinar o que se produz, o setor da economia que pode interferir no consumidor, na indústria alimentar e na distribuição, o setor do ambiente com forte impacto em toda a cadeia produtiva, o poder local e as autarquias que hoje tutelam a oferta alimentar escolar, a segurança social com forte influência nas respostas sociais às populações mais vulneráveis do ponto de vista alimentar e à oferta alimentar de crianças pequenas nas creches e berçários, ou as finanças com influência na criação de impostos que podem influenciar o consumo alimentar são apenas alguns exemplos desta intervenção transversal que pode estar visível numa estratégia alimentar nacional.
Iremos procurar nos programas das diferentes forças partidárias as propostas a nível da modificação dos ambientes alimentares, a nível individual e sobre os serviços de saúde com o propósito de melhorar o estado alimentar e nutricional admitindo que estas propostas possam ter um impacto significativo na prevenção e tratamento das doenças de base alimentar que são os principais determinantes dos anos de vida saudável dos portugueses e com impacto também nas alterações climáticas.

Figura 1. Eixos e estratégias de intervenção do PNPAS 2022-2030
Propostas eleitorais na área da alimentação e nutrição apresentadas pelos partidos políticos nas eleições legislativas de 2025
AD – Coligação PSD/CDS
Na área da saúde:
. Alargar consultas de Psicologia Clínica, Terapia de Reabilitação e Nutrição nos Centros de Saúde.
. Construir, progressivamente, equipas multidisciplinares mais alargadas no SNS, nomeadamente, ao nível dos cuidados de saúde primários;
. Desenvolver um plano de Saúde Oral para os portugueses mais carenciados e cuidados de nutrição e reabilitação.
Na área da agricultura encontra-se descrito o aprofundamento da literacia alimentar nas escolas, nomeadamente:
. Desenvolver ações de literacia alimentar desde o 1.º ciclo de ensino, através de cooperação entre os agentes do setor;
. Criar campanhas de educação alimentar.
PS – Partido Socialista
Na área da promoção da saúde:
“criar uma abordagem integrada da saúde para os primeiros 1000 dias de vida das crianças, incluindo a revisão da intervenção precoce, a criação de diretrizes para alimentação saudável em creches e berçários, à semelhança das que existem para os jardins de infância e escolas”;
“assegurar equipas e programas coerentes e consistentes, que visem os determinantes em saúde, nomeadamente (…) alimentação (…)”;
“implementar o Sistema Nacional de Rotulagem Nutricional, promovendo a adoção, por produtores e retalhistas, de um sistema único e claro de rotulagem nutricional, recomendado pela DGS, que ajude os consumidores a fazer escolhas alimentares mais saudáveis, no contexto de campanhas de literacia alimentar”;
“prevenir a obesidade e promover a contratação de 120 nutricionistas para o SNS, até final de 2026, garantindo a sua integração na carreira de técnico superior de saúde e implementar um programa de estágios profissionais remunerados no SNS para nutricionistas”. (Refira-se que para os psicólogos a meta foi mais ambiciosa sugerindo-se a sua integração no pacote de cuidados básicos do SNS).
O lançamento de um programa de alimentação saudável está contemplado como uma das medidas para melhorar a qualidade das repostas para a primeira infância.
A alimentação está também presente no conjunto de medidas para reduzir o custo de vida dos portugueses, através da implementação, de forma permanente, do IVA Zero a um cabaz de bens essenciais, com uma monitorização adequada de modo a assegurar que as margens de lucro da distribuição não se apropriam dos ganhos para os consumidores.
a política agrícola deve ser “…capaz de produzir alimentos em qualidade e quantidade para garantir uma alimentação saudável…bem como a valorização da Dieta Mediterrânica.
apostar na pesca e aquicultura de pequena escala, que fomentem o consumo local de pescado, através de circuitos curtos de comercialização e da diversificação das espécies consumidas.
Partido Chega
Reforçar a implementação da estratégia de combate à obesidade através do incentivo a consultas de prevenção de obesidade e de acompanhamento de doentes com pré-obesidade e obesidade com vista ao seu tratamento em fases precoces de desenvolvimento da doença e execução de programas de rastreio da obesidade e alterações metabólicas pelas unidades de cuidados de saúde personalizados e pelas unidades de saúde familiar.
Implementar programas educativos nas comunidades, escolas e locais de trabalho para aumentar a consciencialização sobre hábitos saudáveis e fomentar a adoção de comportamentos preventivos, nomeadamente no que diz respeito ao consumo de tabaco, álcool e drogas.
IL – Iniciativa Liberal
Sem medidas específicas para a área em análise.
PCP- Partido Comunista Português
Reforço da resposta dos cuidados de saúde primários na saúde materna e infantil, com acesso a consultas de pediatria, psicologia, saúde oral, oftalmologia e nutrição.
Assegurar a prestação de cuidados de saúde visual, de medicina física e de reabilitação e de nutrição nos cuidados de saúde primários;
Apostar na promoção da actividade física na prevenção de comportamentos alimentares inadequados, de comportamentos aditivos, violentos ou de risco;
IVA: criação de um cabaz mais alargado de bens essenciais taxados a 6%, incluindo toda a electricidade, o gás natural, o gás de botija, as telecomunicações e todos os produtos para alimentação humana, a par da redução da taxa normal de IVA;
Aposta nos circuitos curtos de comercialização com a primazia no fornecimento às cantinas de entidades públicas.
BE – Bloco de Esquerda (Programa 2024)
Consagrar na lei o subsídio de alimentação para todos os trabalhadores e trabalhadoras do privado, com valor mínimo igual ao do setor público (sem prejuízo de contratos coletivos que estabeleçam um valor superior)
Promoção da produção e do consumo de bens alimentares de proximidade e de agriculturas sustentáveis;
Consagração de uma Lei de Bases do direito humano à alimentação e nutrição adequadas;
Aplicação da taxa zero de IVA a bens essenciais à alimentação;
Gestão pública das cantinas escolares com produção local e circuitos curtos de abastecimento;
Comparticipação a 100% da nutrição entérica prescrita, distribuição gratuita dos novos dispositivos semi-automáticos de insulina a todas as crianças e jovens com diabetes tipo 1, assim como a adultos com critério clínico, e comparticipação de fármacos para a obesidade.
Contratar nutricionistas em número suficiente para garantir, nos centros de saúde, o rácio mínimo de um nutricionista por 12 mil habitantes, possibilitando assim o acesso a consultas de nutrição a utentes com diabetes, hipertensão e outros quadros clínicos que beneficiem de planos nutricionais próprios.
IVA: criação de um cabaz mais alargado de bens essenciais taxados a 6%, incluindo toda a electricidade, o gás natural, o gás de botija, as telecomunicações e todos os produtos para alimentação humana, a par da redução da taxa normal de IVA;
Partido Livre
Reforçar todos os programas prioritários de Saúde com investimento efetivo, deixando o seu financiamento de estar dependente de receitas de jogos de azar;
Reforçar as estratégias de prevenção primária da obesidade através da promoção da literacia em saúde e da implementação efetiva de programas de promoção de estilos de vida saudáveis;
Implementar programas de intervenção precoce e prevenção nas escolas e comunidades, promovendo estilos de vida saudáveis;
Aumentar a regulação da venda e publicidade a alimentos prejudiciais à saúde;
Criar um mecanismo de comparticipação de Vitaminas, nomeadamente a Tiamina, para os utentes com Perturbação do Uso do Álcool acompanhados em Equipas especializadas no tratamento de dependências;
Desenvolver um currículo estruturado sobre literacia em saúde através de equipas multidisciplinares (com profissionais das áreas da psicologia, enfermagem, medicina geral, do desporto e nutrição.
Garantir o tratamento da obesidade como doença crónica e combater o estigma associado, ao:
. incluir, no conjunto de medicamentos comparticipados pelo Serviço Nacional de Saúde, tratamentos farmacológicos anti-obesidade aprovados pela evidência científica e por entidades reguladoras internacionais;
. implementar protocolos clínicos integrados e multidisciplinares que envolvam médicos de família, endocrinologistas, nutricionistas, psicólogos e outros profissionais de saúde, assegurando um acompanhamento personalizado e centrado na pessoa;
. descentralizar o acesso ao tratamento da obesidade, garantindo cobertura nacional equitativa, incluindo zonas rurais e de baixa densidade populacional;
. promover a formação contínua dos profissionais de saúde para uma abordagem clínica não estigmatizante da obesidade, contribuindo para o combate à gordofobia institucional;
. monitorizar os resultados clínicos e económicos das terapêuticas disponíveis, garantindo eficácia, transparência e racionalidade na utilização dos recursos públicos;
. reconhecer que a comparticipação de medicamentos anti-obesidade representa uma medida de justiça social e de promoção da saúde pública, permitindo prevenir o agravamento de comorbilidades como a diabetes tipo 2, a hipertensão, as doenças cardiovasculares e certos tipos de cancro, reduzindo o impacto económico e humano destas patologias.
Reforçar os cuidados de Saúde Primários, tornando-os mais próximos das populações e adaptados às necessidades de cada utente ao:
. trabalhar no sentido de garantir a todas as pessoas em Portugal um médico e enfermeiro de família, integrados em equipas com assistentes técnicos e operacionais e articulação multidisciplinar (Psicólogos, Assistentes Sociais, Psicoterapeutas, Fisiatras, Fisioterapeutas, Médicos Dentistas, Nutricionistas);
Criar e implementar o Programa Nacional de Embaixadoras da Saúde, coordenado pela Direção-Geral da Saúde em colaboração com centros de saúde e autoridades locais,
. visando capacitar mulheres como agentes de mudança nas suas comunidades. Este programa tem por objetivo promover a saúde da mulher, melhorar a literacia em saúde;
. abordando temas como saúde sexual e reprodutiva, saúde mental, nutrição e acesso aos serviços de saúde. As Embaixadoras da Saúde atuam como pontos de ligação entre os serviços de saúde e as suas comunidades, promovendo práticas saudáveis e facilitando o acesso a cuidados de saúde.
Criar um programa nacional de Escolas Solares Vivas, equipando os edifícios escolares com painéis fotovoltaicos e promovendo comunidades de energia que tornem as escolas espaços energéticos positivos, capazes de partilhar excedentes com projetos do bairro. Fora do horário letivo, as escolas devem abrir-se à comunidade como centros multifuncionais:
. cozinhas utilizadas por quem quer iniciar pequenos negócios alimentares. As cozinhas escolares podem funcionar como laboratórios alimentares de experimentação e os refeitórios transformados em cantinas comunitárias com refeições saudáveis, baseadas em cadeias curtas, produção local e preços justos; pátios convertidos refúgios climáticos ou em hortas comunitárias;
. Recuperar as cantinas públicas de forma a que o principal objetivo seja o bem-estar e a nutrição das crianças e jovens e não o lucro, através de um serviço assegurado pelos próprios estabelecimentos de ensino ou pelas autarquias e não por empresas privadas, melhorando as refeições fornecidas quer a nível da qualidade quer da quantidade proporcionando, assim, refeições saudáveis e adequadas às diversas faixas etárias dos alunos, com o devido controlo de qualidade, assegurando os nutrientes essenciais para promover a alimentação e estilos de vida saudáveis, possibilitando que se usem produtos da região, promovendo a prática da economia circular.
Criar apoios específicos para a alteração de processos produtivos que permitam a substituição de matérias primas com elevada pegada ecológica, a incorporação de matérias primas locais e a otimização de métodos de produção.
PAN – Pessoas – Animais – Natureza
No sector alimentar, o PAN propõe:
A implementação de uma estratégia nacional para a produção de leguminosas e a promoção de campanhas como as “segundas-feiras sem carne”, incentivando hábitos alimentares mais saudáveis e sustentáveis.
Reflexão e comentários
De modo geral, os diferentes programas partidários continuam a não olhar para a promoção da alimentação saudável como um determinante central da saúde dos portugueses e muitos dos comentários que fazemos nesta análise dos programas para esta eleição repetem os mesmos argumentos que utilizamos em 2024.
Sendo a prevalência das doenças crónicas potencialmente associadas à alimentação muito elevada, afetando milhões de portugueses (obesidade, diabetes, hipertensão, certas doenças oncológicas…) e representando cerca de 86% da carga total de doença estranha-se a ausência de referência a esta situação e à modificação da mesma.
A maior parte dos determinantes das doenças crónicas, nomeadamente os alimentares, são modificáveis, existindo um amplo consenso científico sobre os modelos de intervenção a utilizar para a sua modificação, mas estas estratégias integradas não são visíveis nos diferentes programas. Os programas são escassos na área alimentar e nutricional, mas as medidas nesta área, quando aparecem, são avulsas e não se consegue encontrar um modelo estrutural como apresentado acima. Em todo o caso, a maior parte dos programas partidários e mesmo para outras áreas adotam este formato.
Na área da saúde, quase todos os programas refletem a discussão política ao longo do último ano e na anterior campanha eleitoral, sobre as carências de recursos humanos (nomeadamente de médicos) e como as solucionar e sobre os formatos para organizar a rede de cuidados de saúde, existindo pouco espaço para a discussão sobre a saúde/doença dos portugueses, o que a determina, como se previne ou como se altera o curso da doença.
O modelo de discussão continua excessivamente centrado em torno do modelo curativo (embora os programas do PS e Livre tenham este ano dado maior ênfase às questões da prevenção) e do que preocupa de imediato os eleitores, em particular os eleitores com mais idade e mais doentes (o acesso aos cuidados de saúde) e pouco em termos de prevenção da doença, que de facto continua a representar apenas 2% dos gastos em saúde em Portugal.
O centrar do debate em torno destes temas também acaba por refletir o espaço de opinião pública, a voz e presença diária das corporações mais poderosas nos média, o poder dos interesses comerciais que determinam a saúde, as necessidades imediatas da população e alguma incapacidade da sociedade civil e de outros agentes de saúde, como é o caso dos nutricionistas e os seus representantes participarem ativamente nestes debates.
Como é do entendimento geral, a melhoria da alimentação e do estado nutricional consegue-se mais facilmente através de medidas intersectoriais, que mobilizem áreas distintas como a educação, as autarquias, a agricultura ou o meio ambiente, mas este modelo não é ainda muito visível nas propostas apresentadas, que parecem ter sido feitas de forma separada para as diferentes áreas.
De referir que no setor agrícola, e embora não diretamente relacionado com a melhoria do estado nutricional das populações, aumentaram nestes programas eleitorais as referências à necessidade do aumento da soberania alimentar e da prioridade ao consumo de produtos alimentares nacionais. Desde os partidos tradicionalmente mais à direita ao PCP, o que pode vir a ser um desafio nutricional no futuro, na medida em que a nacionalidade ou a proximidade de um produto alimentar não o define nutricionalmente.
Áreas essenciais como o poder local, hoje com competências importantes na área alimentar, ou o meio ambiente que é fortemente impactado pelas escolhas alimentares continuam a este nível, muito ausentes da discussão dos programas políticos das principais forças partidárias em Portugal.
Comparando agora os dois partidos do “arco do poder” ou com maior probabilidade de integrar o Governo após as eleições, e apesar de enfermarem genericamente dos problemas detetados acima, o Partido Socialista apresenta um programa mais robusto nestas eleições, com diversas medidas verificáveis e mais intersectoriais (IVA, Rotulagem, Contratação de Nutricionistas, Ação social, Dieta Mediterrânica). Pelo contrário, a AD-Coligação PSD/CDS, não só apresenta um conjunto de medidas muito frágeis na área da alimentação, nutrição, piorando face à versão apresentada em 2024, relega para o setor da agricultura as ações de promoção da literacia alimentar, em cooperação com os agentes do setor (produtores), o que pode potenciar alguns conflitos éticos.
O partido Chega, no Capítulo XVIII do seu programa, dedicado à saúde, repete a medida de 2024, na área do combate à obesidade através do incentivo a consultas de prevenção e rastreio da obesidade e acompanhamento em fases precoces de desenvolvimento da doença.
A Iniciativa Liberal continua a não apresentar medidas diretamente relacionadas com a nutrição/alimentação.
Os partidos situados mais à esquerda apresentam tradicionalmente mais medidas e com mais qualidade na área alimentar/nutrição.
O Bloco de Esquerda manteve o seu programa de 2024 onde se identificam diferentes medidas de âmbito intersectorial abrangendo os 3 pilares que considerámos essenciais para uma estratégia alimentar nacional. Em particular, uma maior atenção às patologias de base alimentar e ao papel da alimentação nestes quadros clínicos, sendo, dos programas analisados um dos mais fortes nesta matéria.
O partido Comunista Português também dá atenção às questões da alimentação e nutrição como é sua tradição, mas situa-as quase sempre a par ou integradas em outras medidas, não existindo o cuidado de as integrar ou ter um pensamento coeso neste aspeto.
Por fim, o Partido Livre apresenta aquele que consideramos nesta análise o programa eleitoral mais alinhado com as boas práticas internacionais para o estabelecimento de uma política alimentar, integrando de forma diversificada diferentes estratégias nas áreas da modificação dos ambientes alimentares, na área do comportamento alimentar e do sistema de saúde e seus profissionais. Pela sua profundidade, abrangência, intersectorialidade é um programa que destoa pela positiva dos restantes partidos políticos embora, e pela sua situação no parlamento, possa ter pouca capacidade de passar estes pontos de vista para o debate político ou para ações legislativas.
Os programas eleitorais analisados desde 2019 têm vindo a aumentar gradualmente as referências às questões alimentares, a algumas questões nutricionais e ao papel dos nutricionistas, em particular nos partidos que poderemos situar tradicionalmente mais à esquerda, incluindo desta vez o Partido Socialista. Contudo, a organização das áreas de intervenção ainda não parece ter um pensamento ou objetivo estratégico claro, coerente e integrado noutras políticas e é claramente insuficiente face a uma população muito afetada por um modelo alimentar inadequado atualmente prevalente entre nós e com grande impacto na carga de doença dos portugueses.
De referir ainda que estas legislativas 2025 ocorrem praticamente um ano após as anteriores eleições para o parlamento em 2024 e muitos partidos concentraram os seus esforços naquilo que são as suas principais bandeiras eleitorais e que podem fazer a diferença perante o eleitorado, podendo ter afetado o tempo e discussão necessária para programas eleitorais mais abrangentes e com mais definição e atualização nas diferentes áreas.
Nota final 1: os autores não possuem qualquer afiliação partidária e as opiniões expressas neste texto refletem exclusivamente as suas opiniões pessoais.
Nota final 2: para quem tiver curiosidade pode ler os diferentes programas partidários aqui e por ordem de apresentação no texto:
AD https://ad2025.pt/pdf/programa-eleitoral.pdf
PS https://ps.pt/wp-content/uploads/2025/04/programa-eleitoral.pdf
Chega https://drive.google.com/file/d/1sj8padeIxiD3D3JGbQqoYzF1tCko70f2/view
IL https://iniciativaliberal.pt/wp-content/uploads/2025/04/Iniciativa-Liberal-Programa-Eleitoral-2025.pdf
PCP https://www.cdu.pt/assets/docs/2025_compromisso_eleitoral_pcp_legislativas.pdf
BE https://www.bloco.org/media/Manifesto_Bloco_legislativas2025.pdf
Livre https://partidolivre.pt/wp-content/uploads/2019/04/ProgramaV1.pdf
