A 27 de outubro de 2021, a proposta de Orçamento de Estado para 2022 foi chumbada na Assembleia da República. A proposta teve o voto a favor do Partido Socialista (PS), a abstenção do Pessoas–Animais–Natureza (PAN) e das duas deputadas não inscritas, e o voto contra de todos os restantes partidos com representação parlamentar à esquerda, do Partido Comunista Português (PCP), Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV), Bloco de Esquerda (BE), e à direita, do Partido Social Democrata (PSD), CDS – Partido Popular (CDS–PP), Iniciativa Liberal (IL), e Chega (CH). Na sequência ao chumbo do orçamento, o Presidente da República, dissolveu a AR e marcou eleições para o dia 30 de janeiro de 2022.
Os partidos ou coligações que obtiveram deputados na Assembleia da República nas eleições legislativas de 2019, concorrem agora de novo e apresentam os seus objetivos, as suas prioridades e os caminhos para alcançar estes objetivos através dos seus programas eleitorais. Os programas eleitorais inscrevem as linhas de ação e as propostas para a governação durante o próximo período de quatro anos e por isso, torna-se importante, comparar os programas eleitorais dos vários partidos políticos. Em particular na área da saúde e nutrição que nos interessa em concreto.
Como tem sido tradição, este exercício já foi realizado por nós em 2019, aqui no Pensar Nutrição, e agora repetimos esta análise para as eleições legislativas de 2022. Os métodos utilizados para comparar programas e políticas cresceram em sofisticação nas últimas décadas. Tanto podem comparar os processos políticos e a sua evolução no tempo, as estruturas utilizadas para a sua implementação (por exemplo, dentro ou fora do governo) as propostas e objetivos ou os resultados, por ex. De um modo geral, a análise comparativa utiliza métodos qualitativos.
Neste texto, apenas descrevemos as propostas atuais das diferentes forças políticas de forma simplificada e fazemos uma análise da sua evolução ao longo do tempo na área da alimentação e nutrição. Salientamos que a seleção da informação considerada mais relevante de cada programa político e sua agregação em diferentes áreas de intervenção ou de cultura política reflete a perceção dos autores.
Algumas conclusões iniciais podemos desde já tirar.
À semelhança de 2019 não se encontra uma divisão ideológica vincada e visível nas propostas na área das políticas de nutrição e alimentação. Ou seja, se genericamente podemos tentar dividir as opções políticas entre um Estado mais protetor e garantístico, na saúde, na educação e na economia por oposição a um Estado menos presente que cumpre essencialmente um papel regulador e que abre muito mais espaço ao setor privado nas diferentes políticas económicas, esta divisão começa a tornar-se visível na área das políticas de saúde, embora ainda timidamente nos partidos do centro (recorde-se que atualmente a maioria dos cidadãos, 97 %, defende que a principal prioridade deve ser o investimento no Serviço Nacional de Saúde) mas certamente menos nas políticas relacionadas com a alimentação e nutrição. De um modo geral não são definidas prioridades nos programas eleitorais a este respeito e a discussão sobre a sustentabilidade do SNS e dos seus recursos humanos centra-se ainda bastante na atração, retenção e desenvolvimento profissional do pessoal médico e de enfermagem (em particular dos especialistas de medicina geral e familiar) e menos nas equipas multidisciplinares de saúde.
As políticas públicas na área da alimentação e nutrição percorreram em Portugal uma rápida e decisiva evolução nas últimas décadas, adotando estratégias cada vez de mais largo espetro com o objetivo de intervir em diferentes setores do sistema alimentar e utilizando uma grande diversidade de ferramentas. Desde ações destinadas apenas a melhorar os conhecimentos dos cidadãos sobre as questões da alimentação e nutrição e a capacitar para as escolhas alimentares mais saudáveis até estratégias mais intervencionistas sobre o ambiente alimentar que têm como objetivo atingir todos os cidadãos em maior ou menor grau independentemente do seu grau de literacia ou interesse no tema. Contudo, esta divisão ideológica entre a maior ou menor presença do Estado no sistema alimentar é pouco visível na definição das propostas programáticas na alimentação e nutrição, agora que elas ganham maior peso nas políticas públicas, em parte pela visibilidade e impacto da alimentação inadequada na perda de anos de vida saudável dos portugueses.
Outro aspeto, influenciado provavelmente pela atual crise sanitária, é a atenção redobrada à saúde, bastante mais presente na maioria dos programas eleitorais de 2022 comparativamente a 2019. A crise pandémica, principalmente esta, mas também o acelerado envelhecimento da população nacional, o aumento dos custos com a saúde, e a perceção de que os aspetos da prevenção são determinantes para o equilíbrio do SNS fizeram com que esta área tenha ganho preponderância nos programas eleitorais de diversos partidos em 2022. A saúde e em particular a prevenção da doença e a promoção da saúde ganham peso na maioria dos atuais programas eleitorais. A prevenção, a qualidade de vida e adoção de estilos de vida saudável são agora temas importantes nos programas dos principais partidos.
Por fim, e também muito relevante, a maior qualidade e detalhe nas propostas programáticas relacionadas com a alimentação e nutrição em 2022, em particular por partes dos dois principais partidos políticos, Partido Socialista (PS) e Partido Social Democrata (PSD) que citam inclusive a necessidade de programas públicos na área da promoção da alimentação saudável. A promoção da alimentação saudável ganha peso nos programas dos diferentes partidos em particular ao nível dos cuidados de saúde primários onde a alimentação e nutrição integram cada vez mais a carteira das intervenções sobre a comunidade e com maior autonomia. Uma área que era já mencionada com maior frequência nos programas dos partidos que podemos considerar mais à esquerda, mas que agora se alarga a um mais amplo leque de partidos. Esta maior centralidade da nutrição e da promoção da alimentação saudável, nos atuais programas dos dois principais partidos políticos contrasta com as propostas programáticas de 2019 onde as questões da alimentação estavam concentradas em partidos com menor expressão como o PAN ou então, em torno de áreas muito específicas e de oportunidade como a alimentação nas escolas.
Tendo em conta estas considerações genéricas iniciais poderemos dizer que as propostas dos partidos políticos nos seus programas eleitorais de 2022 centram-se em 3 áreas principais:
1) a necessidade/reforço de políticas públicas/programas nacionais para a promoção da alimentação saudável (PS, PSD, Livre);
2) uma aposta forte na promoção da saúde e prevenção da doença, atuando sobre os principais determinantes da saúde (PS, PSD, Livre, BE) e;
3) o reforço da capacidade de resposta dos cuidados de saúde primários na área da nutrição (PS, BE).
Notas finais
Ao longo da última década e desde janeiro de 2012, Portugal tem vindo a desenvolver uma estratégia alimentar e nutricional, centrada essencialmente no Ministério da Saúde (DGS/PNPAS) e em colaboração com outros Ministérios e partes interessadas onde se identificaram as principais necessidades da população e criaram e aplicaram soluções de largo espectro fazendo do nosso país uma referência internacional nas políticas públicas na área alimentação e nutrição. Esta intensa experimentação e aplicação de estratégias públicas, desde leis que regulamentam a oferta de alimentos nos espaços públicos, a publicidade a alimentos destinados a crianças até campanhas nacionais para a promoção da alimentação saudável e sua efetividade encontra-se bem documentada, totalmente disponível e pode ser lida e descarregada em https://alimentacaosaudavel.dgs.pt/ Esperamos que esta experiência, que é do domínio público, possa ser cada vez mais utilizada na discussão de propostas de políticas públicas nesta área.
Os autores são professores de Política Nutricional na FCNAUP. Estiveram ou estão ligados ao Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS) da Direção-Geral da Saúde. Os autores não têm conflito de interesses, não possuem qualquer afiliação partidária ou interesses pessoais na área.