Um ano de pandemia – um ano com as nutricionistas, alumni FCNAUP na linha da frente

Após um ano a viver com uma pandemia que mudou a nossa vida, faz sentido refletir sobre o que se produziu tecnicamente e o que fizeram os nutricionistas que estiveram na linha da frente. Para isso, fomos ouvir três alumni FCNAUP respeitadas a nível nacional pelo seu trabalho de excelência. São elas Liliana Sousa, que trabalha na ULS de Matosinhos e no Hospital Pedro Hispano e que é hoje uma referência nacional na área da nutrição e medicina intensiva e que ao longo deste ano se destacou pelo seu trabalho na intervenção nutricional no tratamento de doentes com COVID-19, Cristina Teixeira, Diretora do Serviço de Nutrição do Centro Hospitalar Universitário de São João, uma instituição de referência no tratamento da COVID-19, um local de aprendizagem por excelência onde a FCNAUP praticamente nasceu e onde, em 2019, foi criado o primeiro Centro de Responsabilidade Integrado de Obesidade para o tratamento cirúrgico no país e, por fim, Graça Ferro, Diretora da ULS do Alto Minho, instituição que é um exemplo de excelência na integração de cuidados entre as várias áreas da intervenção do nutricionista, nomeadamente a Nutrição Clínica, Nutrição Comunitária, Gestão e Alimentação Institucional, Ensino/ Formação e Investigação e a Assessoria Científica e que ao longo desta pandemia demonstrou como podem os nutricionistas fazer a diferença no combate à COVID-19.

Estes depoimentos revelam o quanto os nutricionistas são peças essenciais no combate à COVID-19. E que podem fazer a diferença, tanto na prevenção como no combate a esta doença. Esperamos que o trabalho excecional destas colegas sirva de inspiração para todos os nossos estudantes e nutricionistas que nestes dias sentem o cansaço e a falta de esperança no dia de amanhã.

Na FCNAUP, entre março e abril de 2020 e logo após o aparecimento dos primeiros casos refletimos sobre os efeitos da pandemia com os nossos estudantes e, em abril de 2020, o Prof. Alejandro Santos foi o primeiro autor de um texto que lançou o debate sobre a relação entre a pandemia por SARS-CoV-2 e a “pandemia” por obesidade. O texto terminava assim “Ainda existe muito por conhecer nesta nova relação entre a obesidade e a COVID-19 mas uma coisa é certa, a forma como iremos ver a obesidade no futuro, agora que se perspetivam novas e sucessivas vagas infeciosas, por SARS-CoV-2 ou outra variante qualquer, vai transformar o trabalho dos profissionais de saúde, e muito em particular dos nutricionistas.” Passado quase um ano estas palavras continuam certeiras, como comprovam os depoimentos das nossas colegas.

É interessante observar que existe alguma semelhança nos depoimentos e nas razões para as intervenções de sucesso. A começar pela integração de nutricionistas nas equipas multidisciplinares, nomeadamente no internamento. Segundo Liliana Sousa:“A principal vantagem terá sido, talvez, o facto de, já antes da pandemia estar muito integrada, in loco, nas equipas multidisciplinares no internamento.”

Outro sublinhado parece ser a necessidade de uma intervenção precoce, tanto antes do internamento como nas fases precoces do internamento: “(…) assume-se que seja uma doença hipercatabólica, por se apresentar com um quadro inflamatório exuberante. Para além disso, a sua evolução e progressão até ao internamento hospitalar cursa, em regra, com sintomatologia de impacto nutricional, com uma influência direta sobre a capacidade de os doentes se alimentarem (febre, insuficiência respiratória, anorexia, ageusia e anosmia), sendo também frequentes sintomas gastrointestinais, como vómitos e diarreia.” (…) “No meio hospitalar, e nestes doentes em particular, que representaram até agora uma fatia importante da população de doentes internados, é fundamental uma intervenção nutricional precoce e atempada, com vista à reposição das reservas nutricionais perdidas na fase mais crítica da doença, contribuindo para uma mais rápida recuperação física, funcional e emocional.”

Uma ideia valorizada pelas nossas colegas é a necessidade de uma resposta integrada do sistema e dos nutricionistas, desde a prevenção até ao acompanhamento do doente após a alta hospitalar. De certa forma, é essa a resposta que descrevemos recentemente em “The national food and nutrition strategy for the Portuguese COVID-19 response” nomeadamente no nosso “National framework regarding food and nutrition during the COVID-19 pandemic response” e em que a colega Graça Ferro foi co-autora.

Por fim, parece-nos que os nutricionistas podem ter um papel importante nesta pandemia e a melhor prova disso é a participação ativa neste processo. De novo e segundo Liliana Sousa “Durante a pandemia, nunca fui dispensada do meu papel e talvez esse seja o melhor reflexo da nossa relevância enquanto profissionais de saúde neste período crítico.”
Esta pandemia pode também ter sido uma oportunidade pois pode ter criado a perceção de quanto necessário o trabalho do nutricionista. Segundo Cristina Teixeira: “No nosso entendimento, e apesar de todas as implicações de saúde pública, a nível hospitalar e no país em geral que a Pandemia gerou, acabou por se revelar também uma janela de oportunidade para os Nutricionistas se reinventarem, e foi possível criar novas oportunidades para assumir um papel fundamental e complementar na prestação dos cuidados de Saúde aos doentes.” (…) “Efetivamente, conseguimos uma vez mais testemunhar que os outros profissionais de saúde valorizaram a atividade dos Nutricionistas, na medida em que sentiram ainda mais a necessidade de um apoio nutricional efetivo nomeadamente para estes doentes COVID-19 e solicitaram mais vezes a nossa colaboração e opinião.”

Este sentimento de oportunidade para a profissão merece ser sublinhado e vem dar voz ao que tínhamos escrito em abril de 2020, “A solução volta a estar nas nossas mãos. E a nossa ação profissional será agora mais decisiva do que nunca. De facto, os nutricionistas não podem “ficar em casa” nestes tempos, sob o risco de se tornarem irrelevantes.”

Uma área ainda subvalorizada, mas onde se está a progredir neste momento, é o período de alta hospitalar. Segundo Cristina Teixeira “Consideramos ainda, que o seguimento regular deste novo tipo de doentes COVID-19, por um Nutricionista após o período de alta hospitalar, é uma mais-valia para todos, pois permite uma melhor e mais rápida recuperação e reabilitação, ajudando assim numa mais rápida recuperação da qualidade de vida de cada um dos doentes (área que nos estamos agora a dedicar).”

O mesmo entendimento tem Graça Ferro “Estes doentes têm na sua maioria excesso ponderal e fatores de risco cardiovascular associados, pelo que iniciar uma intervenção alimentar no pós-alta para a sua correção é fundamental para lhe melhorar a qualidade de vida! Esta tarefa passa por uma reeducação alimentar e de estilo de vida que só o nutricionista tem a sensibilidade e competência para a realizar!”

Esta pode ainda ser uma oportunidade para dar preponderância aos Serviços de Nutrição e para uma interligação com os Cuidados de Saúde Primários. Segundo Graça Ferro “Na atividade assistencial no internamento, na primeira vaga assumimos o doente COVID-19 como doente em risco nutricional e nesse pressuposto todos os doentes admitidos em Unidade de Cuidados Intensivos, Cuidados Intermédios e Enfermaria, foram observados pelo Serviço de Nutrição, efetuando a respetiva intervenção nutricional baseados nas guidelines que foram gradualmente publicadas pela ESPEN e pela ASPEN e pela Norma de Orientação da DGS sobre a terapia nutricional em doentes COVID-19 publicada a 6/4/20.” (…) “A 9/2/21 iniciamos o primeiro projeto de integração de cuidados nutricionais em contexto de ULS e assim todo o doente com COVID-19 e risco nutricional na alta clínica é encaminhado para a colega do Centro de saúde da área de residência que o acompanha durante todo o período de convalescença podendo manter-se em consulta se apresentar fatores de risco cardiovascular.”

Mas o papel do nutricionista pode ir além da atividade assistencial. Segundo Graça Ferro “Começamos por reunir com caráter urgente com a empresa de restauração coletiva responsável pelo fornecimento da alimentação hospitalar e adaptar plano de ementas a período de contingência, adotar novos métodos de fornecimento de refeições aos doentes internados com a COVID-19, toda a palamenta e até os tabuleiros tiveram que rapidamente ser alterados para material descartável.” Esta foi uma área onde se fez um enorme trabalho embora pouco destacado, mas que foi essencial para garantir a segurança e o sentimento de confiança nos serviços.

Esta pandemia pode ser uma oportunidade para contratar mais nutricionistas para o SNS como se demonstrou com inteligência e sentido de oportunidade na ULS do Alto Minho: “Para podermos manter toda a rotina diária, mesmo estando sempre 80% da equipa a trabalhar desde março 2020 em regime presencial, efetuamos fundamentação para contratação de colegas para o Serviço ao abrigo da Pandemia, tendo esta colhido parecer favorável do Conselho de Administração. Assim em maio de 2020 e novembro de 2020 foram admitidas duas nutricionistas, reforçando assim a equipa com mais quatro colegas que se mantém em funções atualmente.”

Vale a pena ler de seguida, as respostas na íntegra. Destes textos ficamos com a sensação do trabalho de qualidade que se desenvolve nestas unidades de saúde de excelência e do potencial dos nutricionistas nesta área. Que nos sirva de inspiração.

Um ano de pandemia - um ano com as nutricionistas, alumni FCNAUP na linha da frente 9Como é que o vosso serviço deu resposta à pandemia COVID-19?

Liliana Sousa: A pandemia não trouxe propriamente uma mudança, mas mais uma necessidade de adaptação. No fundo, continuei a fazer aquilo que já fazia em termos de procedimentos e intervenção, mas foi necessária uma reorganização, não só pelas circunstâncias exigidas na gestão destes doentes, mas também pelo acréscimo de doentes internados. A principal vantagem terá sido, talvez, o facto de, já antes da pandemia estar muito integrada, in loco, nas equipas multidisciplinares no internamento.
Durante a pandemia, dei apoio a duas enfermarias COVID-19. O rastreio nutricional à admissão hospitalar, que temos implementado no hospital há já vários anos, manteve-se, no entanto houve necessidade de adaptação a uma nova realidade, nomeadamente o isolamento dos doentes e, na primeira vaga, o confronto com a falta de equipamentos de proteção individual em quantidade suficiente, que foi uma realidade e que exigiu que tivéssemos de nos reorganizar, de modo a que a prestação dos cuidados nutricionais e o apoio nutricional aos doentes não ficassem prejudicados. Desta feita, a visita diária ao serviço manteve-se, no entanto a comunicação de e para o doente passou a ser realizada por intermédio do enfermeiro responsável pelos cuidados ao doente, de forma a poder ser rentabilizado o equipamento e o recurso. Portanto, a presença física foi mantida, mas a distância em relação ao doente foi uma necessidade, que ultrapassamos nas fases seguintes, nomeadamente nesta última vaga, mais grave, mais exigente do ponto de vista de números e em que já nos foi possível a participação em pleno junto dos doentes, algo que, como profissionais de saúde com um papel de intervenção ativa, sabemos ser (e se mostrou) fundamental como um motor no atingimento dos objetivos nutricionais de cada um. A logística mudou completamente. Passamos a trabalhar em ambientes fechados, com circuitos que religiosamente temos de cumprir, mas sem dúvida de que a maior retribuição que podemos ter é sentirmos, na primeira pessoa, a importância que tem para o doente a nossa presença, a nossa atenção e o nosso cuidado.
No que diz respeito aos cuidados intensivos, a minha integração na equipa é, desde há muitos anos, diária e presencial e na primeira vaga, houve a necessidade de, pela primeira vez em quase 20 anos, me afastar fisicamente do serviço. Diria que aqui a adaptação foi praticamente espontânea entre todos e acredito até hoje que só foi possível ter sido feita desta forma tão harmoniosa por sermos uma equipa construída ao longo de todos esses anos de trabalho integrado. Provavelmente nem nós nos tínhamos ainda apercebido do equilíbrio existente entre todos, enquanto equipa multidisciplinar. Mantivemos todas as rotinas, nomeadamente a visita diária, na primeira vaga e pelos motivos já descritos, feita pelo telefone e com uma avaliação à distância feita com base nos “olhos” dos médicos e nos registos clínicos, onde continuei também a registar a minha intervenção. Passada essa primeira fase, logisticamente mais complicada, retomamos a rotina de procedimento habitual e presencial no serviço, que mantemos até hoje.
Felizmente que a primeira vaga foi de todas a mais leve e como tal, julgo que esta necessidade de intervenção à distância terá sido uma dificuldade minor, facilmente ultrapassada com as medidas implementadas. Sem dúvida alguma que nesta última vaga, nenhum de nós teve mãos a medir e todos fizemos a diferença por lá estar, não só pela pressão existente sobre os cuidados intensivos, mas também pelo desgaste que já se esbatia entre os profissionais. Cada um de nós aliviou carga de trabalho aos outros e no que se refere ao meu papel, em particular, seria tudo menos sensato, podendo até dizer que seria de uma total incongruência, que numa altura de tão grande pressão, esforço e trabalho lhes entregasse mais essa tarefa de gestão do suporte nutricional dos doentes, no momento em que mais precisavam de não a ter.

Qual pode ser o papel dos nutricionistas nesta luta?

Liliana Sousa: Os doentes internados com SARS-Cov-2 não são diferentes nem devem receber menos cuidados assistenciais do que qualquer outro doente. A COVID-19 é uma doença infeciosa que pode evoluir para uma condição grave de doença. Sobre ela, não são ainda conhecidos muitos aspetos, nomeadamente relacionados com o seu comportamento metabólico, mas assume-se que seja uma doença hipercatabólica, por se apresentar com um quadro inflamatório exuberante. Para além disso, a sua evolução e progressão até ao internamento hospitalar cursa, em regra, com sintomatologia de impacto nutricional, com uma influência direta sobre a capacidade de os doentes se alimentarem (febre, insuficiência respiratória, anorexia, ageusia e anosmia), sendo também frequentes sintomas gastrointestinais, como vómitos e diarreia.
Não podemos permitir que da COVID-19 restem vítimas da doença, ao contrário, os nossos esforços deverão concentrar-se na prestação de cuidados-base e fundamentais, onde se encaixa a nutrição, gerando sobreviventes ativos e com o mínimo de sequelas possível. No meio hospitalar, e nestes doentes em particular, que representaram até agora uma fatia importante da população de doentes internados, é fundamental uma intervenção nutricional precoce e atempada, com vista à reposição das reservas nutricionais perdidas na fase mais crítica da doença, contribuindo para uma mais rápida recuperação física, funcional e emocional.
Na saúde, neste momento, nenhum profissional é dispensável e não tenho dúvida, pela minha experiência, que o nutricionista é um pilar fundamental na gestão destes doentes. A integração dos cuidados nutricionais é transversal às várias condições clínicas que o doente Covid-19 possa apresentar, pois não só se demonstra como preponderante na reposição e minimização de perdas nutricionais durante a evolução da doença, como tem um papel preventivo importante, no sentido de evitar a degradação nutricional naqueles doentes com menor impacto nutricional no momento da admissão hospitalar, para além de se revelar também um fator de extrema relevância no período pós-COVID, cumprindo a função de suprimento nutricional com vista à reabilitação funcional e recuperação clínica, que se prolongam pelo período a seguir à alta hospitalar.
Durante a pandemia, nunca fui dispensada do meu papel e talvez esse seja o melhor reflexo da nossa relevância enquanto profissionais de saúde neste período crítico. Este foi um momento de nos apoiarmos uns aos outros, provavelmente mais do que nunca. De nos conseguirmos aliviar mutuamente do peso da responsabilidade e não menos importante, do enorme peso emocional que vivemos nos últimos tempos. A reunião de esforços centrada no doente é complementar e soma-se em benefícios para o prognóstico clínico. As equipas devem ser sólidas, coesas e abertas ao ponto de permitirem a integração, a discussão e a consolidação dos objetivos, que têm de ser comuns.
Estamos todos mais cansados, saturados de uma realidade que parece teimar em persistir. E precisamente por isso, temos de lá estar. Cada um a fazer a sua parte, mantendo a rede de equipa que sempre nos uniu e que agora nos pede que o façamos sob maior pressão, sob maiores cuidados, mas que o continuemos a fazer, e que o continuemos a fazer bem.

Um ano de pandemia - um ano com as nutricionistas, alumni FCNAUP na linha da frente 11Como é que o vosso Serviço deu resposta à Pandemia da COVID-19?

Cristina Teixeira: Desde o início da Pandemia que o Centro Hospitalar Universitário de S João (CHUSJ) foi um dos Hospitais com mais casos COVID-19, o que gerou um grande impacto no funcionamento normal do nosso Serviço.
Assim sendo, o Serviço de Nutrição (a par de outros Serviços Clínicos) teve de se adaptar a uma nova realidade sem precedentes, com forte pressão para os respetivos profissionais e infraestruturas existentes. Inicialmente, e no campo dos profissionais de nutrição foram definidas “escalas de trabalho” de forma a não correr o risco de aglomeração de colegas na mesma sala de trabalho, mas que permitisse uma resposta equitativa e eficaz a todos os doentes com sintomas COVID-19 e também aos outros doentes internados no Hospital.
Mais especificamente, e relativamente ao apoio nutricional aos Serviços Clínicos com doentes COVID-19, passamos a proceder a esse apoio por via telefónica e através da plataforma informática, sendo esta colaboração realizada diariamente e articulada com os outros profissionais de Saúde que estavam presencialmente nestas áreas.
Nos outros serviços clínicos “não COVID-19” mantivemos o nosso apoio presencial.
Já no que respeita às consultas a doentes em ambulatório, as mesmas passaram a ser realizadas por via telefónica.
Outra vertente mas também considerada importante, foi que durante a dita “1ª fase” da Pandemia (Março a Junho de 2020), o Serviço de Nutrição realizou diversas atividades ao nível da “gestão” de ofertas/dádivas de empresas/pessoas para os profissionais do Hospital, que ocupou uma parte relevante da equipa durante este período.
Adicionalmente, e considerando a vertente preventiva e de boas práticas, e face às necessidades sentidas quer pelos profissionais de saúde em geral, procedeu-se à “criação” de um documento para todos com recomendações de alimentação saudável (rápida e acessível), uma vez que estes profissionais da denominada “linha da frente” não conseguiam ter tempo, nem sequer acesso fácil, a uma alimentação adequada para o esforço elevado a que estavam sujeitos, do ponto de vista físico mas também psicológico.
Após a 1ª fase da Pandemia, ou seja, a partir de Junho de 2020, todo o apoio do Serviço de Nutrição (quer ao nível do internamento, quer da consulta) voltou a ser totalmente presencial, com exceção do apoio aos Serviços Clínicos com doentes COVID-19 que continuou a ser por via telefónica e através da plataforma informática (de acordo com as diretrizes internas do CHUSJ).

Qual pode ser o papel dos nutricionistas nesta luta?

Cristina Teixeira: No nosso entendimento, e apesar de todas as implicações de saúde pública, a nível hospitalar e no país em geral que a Pandemia gerou, acabou por se revelar também uma janela de oportunidade para os Nutricionistas se reinventarem, e foi possível criar novas oportunidades para assumir um papel fundamental e complementar na prestação dos cuidados de Saúde aos doentes.
Efetivamente, conseguimos uma vez mais testemunhar que os outros profissionais de saúde valorizaram a atividade dos Nutricionistas, na medida em que sentiram ainda mais a necessidade de um apoio nutricional efetivo nomeadamente para estes doentes COVID-19 e solicitaram mais vezes a nossa colaboração e opinião.
O Nutricionista ao longo deste ano atípico assumiu, ainda mais, um papel fundamental quer na prevenção da ocorrência de complicações desta doença (nomeadamente na relação da Obesidade com uma maior probabilidade de complicações), quer no próprio processo de recuperação destes doentes.
Consideramos ainda, que o seguimento regular deste novo tipo de doentes COVID-19, por um Nutricionista após o período de alta hospitalar, é uma mais-valia para todos, pois permite uma melhor e mais rápida recuperação e reabilitação, ajudando assim numa mais rápida recuperação da qualidade de vida de cada um dos doentes (área que nos estamos agora a dedicar).

Um ano de pandemia - um ano com as nutricionistas, alumni FCNAUP na linha da frente 13Como é que o vosso Serviço deu resposta à Pandemia da COVID-19?

Graça Ferro: O Serviço de Nutrição e Alimentação da ULS do Alto Minho, rapidamente sentiu necessidade de se adaptar a esta nova realidade inicialmente tão assustadora, cheia de dúvidas e receios para todos, e nós profissionais de saúde, não fomos exceção.
Começamos por reunir com caráter urgente com a empresa de restauração coletiva responsável pelo fornecimento da alimentação hospitalar e adaptar plano de ementas a período de contingência, adotar novos métodos de fornecimento de refeições aos doentes internados com a COVID-19, toda a palamenta e até os tabuleiros tiveram que rapidamente ser alterados para material descartável.
Houve também necessidade de rever a distribuição e posicionamento de mesas e cadeiras, lotação dos refeitórios dos funcionários, substituição do dinheiro pela aquisição prévia de senhas e afixação de nova sinalética e recomendações de acordo com as orientações emanadas pela DGS.
Na atividade assistencial no internamento, na primeira vaga assumimos o doente COVID-19 como doente em risco nutricional e nesse pressuposto todos os doentes admitidos em Unidade de Cuidados Intensivos, Cuidados Intermédios e Enfermaria, foram observados pelo Serviço de Nutrição, efetuando a respetiva intervenção nutricional baseados nas guidelines que foram gradualmente publicadas pela ESPEN e pela ASPEN e pela Norma de Orientação da DGS sobre a terapia nutricional em doentes COVID-19 publicada a 6/4/20.
Na segunda e terceira vagas já mais organizados e conhecendo melhor a implicação da doença no estado nutricional do doente, optamos por em enfermaria realizar a identificação do risco nutricional de acordo com as orientações do Despacho nº 6634/2018, mantendo a avaliação e respetiva intervenção nutricional de todos os doentes internados em nível 2 e 3 de cuidados de saúde.
Na consulta externa fomos cumprindo as orientações do Conselho de Administração adaptadas a cada fase da Pandemia e se no início realizamos a maioria de consultas por teleconsulta a partir de maio de 2020 fomos retomando gradualmente a consulta presencial e nesta 3ª vaga cerca de 80% das consultas mantemos presenciais. Nesta fase só não fazemos a consulta presencial se o doente solicitar teleconsulta.
Para podermos manter toda a rotina diária, mesmo estando sempre 80% da equipa a trabalhar desde março 2020 em regime presencial, efetuamos fundamentação para contratação de colegas para o Serviço ao abrigo da Pandemia, tendo esta colhido parecer favorável do Conselho de Administração. Assim em maio de 2020 e novembro de 2020 foram admitidas duas nutricionistas, reforçando assim a equipa com mais quatro colegas que se mantém em funções atualmente.
Esta foi sem dúvida a grande oportunidade que estamos a colher desta Pandemia, conseguimos dotar de mais recursos humanos o Serviço e assim temos a identificação do risco nutricional a ser realizada em todos os serviços de internamento das 3 Unidades das ULSAM, Hospital de Luzia, Hospital Conde de Bertiandos e Unidade de Convalescença de Valença. Apenas falta o Serviço de Psiquiatria que vai iniciar ainda durante o mês de março 2021.
Mantemos o apoio diário ao Departamento de Medicina Crítica e as auditorias regulares às refeições fornecidas aos doentes ao almoço e jantar.
A 9/2/21 iniciamos o primeiro projeto de integração de cuidados nutricionais em contexto de ULS e assim todo o doente com COVID-19 e risco nutricional na alta clínica é encaminhado para a colega do Centro de saúde da área de residência que o acompanha durante todo o período de convalescença podendo manter-se em consulta se apresentar fatores de risco cardiovascular.
Apesar da adversidade continuamos a investigar em colaboração com as faculdades e a receber estagiários curriculares e à Ordem dos Nutricionistas. Suspendemos apenas esta área da formação entre março e maio 2020 e entre janeiro-fevereiro 2021. Atualmente estamos a trabalhar cumprindo todos os requisitos de segurança e boas práticas, com a equipa vacinada e retomando toda a atividade como a fazíamos antes da Pandemia!

Qual pode ser o papel dos nutricionistas nesta luta?

Graça Ferro: O papel do Nutricionista é fulcral nesta luta! E em diferentes contextos no SNS!
Dou-vos o exemplo nos Cuidados Hospitalares…
Nenhum outro profissional de saúde tem competências para gerir um serviço de alimentação de um hospital e saber como minimizar funções, sem perder a qualidade dos serviços prestados e as necessidades dos doentes de acordo com as diferentes patologias.
Orientar na reorganização de espaços públicos de refeições, rever planos de ementas de acordo com as orientações de um padrão alimentar saudável!
Orientar os vários interessados em fazer doações de bens alimentares aos profissionais de saúde, explicar os alimentos mais indicados, a higiene e segurança da sua manipulação, entrega e embalamento!
E para mim o mais importante, saber avaliar o estado nutricional do doente muitas vezes de uma forma mais subjetiva, falando apenas com o doente, família, sabendo a sintomatologia prévia à admissão hospitalar e fazendo uma intervenção nutricional, adaptada a uma série de alterações metabólicas que a COVD-19 e a terapêutica medicamentosa usada vão despoletar.
Estes doentes têm na sua maioria excesso ponderal e fatores de risco cardiovascular associados, pelo que iniciar uma intervenção alimentar no pós-alta para a sua correção é fundamental para lhe melhorar a qualidade de vida! Esta tarefa passa por uma reeducação alimentar e de estilo de vida que só o nutricionista tem a sensibilidade e competência para a realizar!
O doente crítico necessita do olhar constante de quem manipula nutrição artificial e conhece as suas indicações, fórmulas mais adequadas, conjugação de alimentação e nutrição em fase pós desmame ventilatório. Uma otimização do estado nutricional no doente crítico reduz os efeitos nefastos da miopatia de desuso que leva a quadros de reabilitação menos prolongados, otimizando a recuperação funcional do doente.
De todas a fases menos boas da vida podemos ter uma janela de oportunidade e penso que a COVID-19 dada a sua complexidade, predisposição, sintomatologia associada e evolução do estado clínico dos doentes que pela sua gravidade necessitam de internamento, é sem dúvida um desafio para o Nutricionista!

Escrito por

prof pedro graça nutricionista
Pedro Graça
Nutricionista, Professor Associado na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto | Website
Maria João Gregório 7
Maria João Gregório
Nutricionista, Professora Auxiliar Convidada na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto | Website

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